Por Joaquim Candeias da Silva
Membro da Academia Portuguesa de Historia e do CEHLA

    Datam já de há 250 anos e continuam a ser ainda hoje muito procuradas, lidas e exploradas, podendo até dizer-se que é por elas que geralmente se iniciam muitos dos candidatos a historiadores das Áreas Regionais ou das Terras de Portugal (para efeito de monografias e micro-história). De facto, antes delas, havia terras que viviam quase no anonimato, sem história escrita, publicada. As MP vieram colocá-las no mapa de Portugal e tornaram-se um instrumento de pesquisa quase imprescindível, para o conhecimento do seu passado, em matéria religiosa.

O QUE SÃO, AFINAL, AS MP? 
    Memórias Paroquiais. O que são? Como surgiram e foram produzidas? Como chegaram até nós? Onde se encontram? E como aceder-lhes? Que têm, 250 anos depois? E, concretamente, as das freguesias da área de influência de Abrantes e desta Revista, que dizer delas?
    Tudo terá começado quando, a 5 de Janeiro de 1721, num tempo de academismo e de renovação cultural (com o magnânimo "Rei do Ouro", D. João V) , os  responsáveis pela recém-criada Academia Real da História dirigiram às autoridades eclesiásticas  do reino, assim como às câmaras e aos provedores das comarcas, um minucioso questionário impresso em que solicitavam notícias de tudo o que as paroquias  possuíssem com interesse, tendo em vista a  elaboração de uma História Eclesiástica e Secular de Portugal e suas Conquistas. Talvez porque  faltassem muitas respostas, tal história nunca chegou a ser elaborada. E, tanto o projecto como os  documentos conseguidos, foram-se perdendo.
    Mas houve então um esforçado clérigo oratoriano, Luís Cardoso, que, por sua própria iniciativa ou   por alguém, em colaboração com seu irmão P António dos Reis e do oficial de tipografia Manuel Pereira, a partir de relatórios anteriores e de um novo inquérito solicitado aos bispos (1732-1736?) ,  começou a compor o conhecido Diccionario  Geographico, cujo subtítulo pormenorizava: Noticia Historica de todas as Cidades, Villas, Lugares e Aldeas, Rios, Ribeiras e Serras dos Reynos de  Portugal e Algarve, com todas as cousas raras que  neles se encontrão, assim antigas como modernas.
    O primeiro volume, abrangendo os topónimos  iniciados pela letra A, foi publicado em Lisboa, em 1747, e o segundo, compreendendo as letras B e C,  veio a sair cinco anos depois. No caso desta subregião, neles podemos encontrar artigos sobre as  freguesias de Abrantes (I, pp. 21-38), Aldeia do Mato (I, 217) Alvega (I, 394) e Bemposta (II, 156), Alcaravela (I, 164), Coutada [S.ta Margarida da (II,  739)] , Belver (II, 144) e Comenda (II, 678) , Aboboreira  (I, 14), Amêndoa (I, 435), Cardigos (II, 442) e Carvoeiro (II, 499). Embora bastante díspares em  valor (os de Abrantes, Belver e Cardigos são muito bons), vale a pena uma consulta, nas principais bibliotecas nacionais. Porém, em 1755, quando se preparava o terceiro volume, surgiu o Terramoto,  cataclismo terrível em cuja voracidade se viria a consumir quase todo aquele extraordinário  manancial de informações manuscritas.
    Então o referido oratoriano, redactor paciente e  voluntarioso, desejando prosseguir a sua louvável  iniciativa, que em termos práticos e de uniformidade  no tratamento exigia novos inquéritos e quase um novo Dicionário, pediu e conseguiu do Governo  ordem para que todos os pamcos do reino enviassem  «novas desczipções das suas freguesias>, com base num interrogatório muito semelhante ao anterior, que foi distribuído através dos competentes canais diocesanos  do Reino, com um «Aviso» do Secretário de Estado dos Negócios  Estrangeiros (Sebastião José de Carvalho e Melo,  depois Marquês de Pombal) , datado de 18 de Janeiro de 1758.
    Redigidas essas descrições (ou "memórias"), directamente pelos parocos, na sua maioria entre fins de Março e meados de Maio de 1758 — [apenas algumas em 1759] 1 — e encaminhadas para a Secretaria de Estado, foram depois compiladas por  ordem alfabética em 43 volumes, a que se acrescentou em 1832 um volume de Indices, passando a constituir o impropriamente chamado Diccionario Geographico Portuguez (= DGP e  vulgarmente designado Memóñas Pamquiais)2. O P.e Luís Cardoso, porém, adoeceu e veio a falecer em  1769, deixando lamentavelmente o seu sonho por realizar.
    Ao presente, todo esse acervo manuscrito se   encontra guardado na Direccáo Geral de Arquivos,  com sede no Instituto dos Arquivos Nacionais / do Tombo (= IAN/TT), junto à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

IMPORTÂNCIA DAS MP
    Sem sombra de dúvida que temos de considerar essa compilação de um valor extraordinário para o conhecimento da vida portuguesa da época, e  sobretudo da vida das aldeias, acerca da qual tão pouco se escrevera nos séculos anteriores. Quem se   queira documentar sobre o evoluir da vida paroquial  desse tempos, a demografia, a economia, a  religiosidade de cada terra, tradições e outras  particularidades históricas a cair no olvido, ou queira  aprofundar estudos sobre a fauna e a flora, orografia e hidrografia, ou mesmo acompanhar a evolução linguística e ortográfica, não pode prescindir da sua consulta. Conforme oportunamente sublinhou o Prof. Vitorino Magalhães Godinho, estamos, na verdade,  perante «a mais importante fonte de conjunto  do pais da história portuguesa». E, como tal, justifica-se plenamente a sua procura.
    E verdade que encontramos descricôes bastante modestas (Montalvo, por exemplo) ; mas também há  outras, como as de Penhascoso ou Abrantes, muito  cuidadosas e completas. E que houve párocos que entenderam a tarefa como mera função burocrática,  mais um papel a despachar; enquanto outros parecem ter tido a percepção de estarem a produzir história de futuro. Só é pena que nos séculos anteriores  nenhum  outro padre ou marquês se tenha  interessado em mandar executar mais inquéritos  deste género. A História Regional e Local, que entre nós tende a granjear cada vez mais adeptos e  utilizadores, estaria hoje indubitavelmente mais enriquecida. Como mais enriquecida ficaria a História  de Portugal se também se empreendessem estudos  sistemáticos e de conjunto a partir destas fontes. Atendendo a tudo isso, decorridos que são dois séculos e meio sobre tal acontecimento verdadeiramente histórico, entendeu o CEHLA assinalá-lo neste número da Zahaza (que aliás tem a transcrever algumas Memórias e na altura em que encerra a publicação referente às freguesias rurais do actual concelho de Abrantes), com uma visão  panorâmica acerca dos seis municípios da área de influência predominante desta Revista.

COMO CONSULTÁ-LAS SEM SAIR DE CASA
    Dada a sua elevada procura, os responsáveis da  Torre do Tombo (TT) tomaram de há muito medidas adequadas para que o acesso às MP de 1758 fosse  facilitado. Existem razoáveis índices, por terras e  concelhos, na "sala de referência". Existem também cópias em microfilmes, de todos os livros, que ultimamente já se encontram disponibilizadas na  Internet, on line na sua totalidade. São, por isso,   relativamente fáceis de consultar e trabalhar, por qualquer pessoa, mesmo sem ter de sair de casa e gastar dinheiro em viagens e fotocópias.
    Dou um exemplo. O leitor quer consultar o  «Memorial» de Alvega (Abrantes). Deverá, para tal, entrarem <http://ttonline.iantt.pt>,ou simplesmente  digitar num motor de busca do seu computador   <ttonline>, seleccionar Pesquisas, depois em anytext digitar o código de referência <MPRQ / 3 / 40>, números estes que identificam o volume do Dicionário (vol. 3. 0) e o n 0 da paróquia (a 40.?).
    Também pode digitar apenas <MPRQ Alvega>. Aparecer-lhe-ão 4 miniaturas de imagens (emjp©, que deverá visualizar teclando-as uma a uma, pela ordem numérica, com ampliação através de um  simples clic. A partir daí, poderá repetir a operação para qualquer freguesia, ler, transcrever, gravar o que quiser, tratar a imagem a seu gosto e imprimir, ficando apenas sujeito às normas de copyright Mas há mais. Querendo optimizar o processo de pesquisa, pode o leitor entrar no link <http:// www.fcsh.unl.pt/atlas2005/index1.html>, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e, seguindo os passos sugeridos, navegar através de um mapa. Se preferir, dada a dificuldade de obter um índice ordenado alfabeticamente das paróquias do DGP (mais de 4000), on line, pode ainda consultar http:// www.arkeotavira.com/correio/memorias.xls, o que lhe permitirá aceder a uma listagem geral das paróquias numa folha Excel Nesta, o concelho e as freguesias de Abrantes aparecem à cabeça, ocupando as posições 1 a 16; mas a folha contém  algumas lacunas e incorrecções, pelo que deverá  aguardar uma versão melhorada, já prometida para breve em html pelos mesmos autores (da Arkeo-Tavira). Entretanto, se lhe bastarem as memorias dos 6 concelhos desta nossa área, não deixe de consultar os Quadros que lhe oferecemos adiante, Na última coluna [Fonte] encontrará os dados essenciais para a consulta on line.
  Admitindo, no entanto, que alguns leitores não estejam ainda familiarizados com as novas  tecnologias, elou não se entendam com as escritas dos parocos setecentistas (que na alguns conhecimentos mínimos de Paleografia e algumas apresentam fraca qualidade de reprodução), podemos informar que na sua esmagadora maioria as MP já se encontram publicadas em livros. Muito embora nunca tenha havido em Portugal, desde o P.e Cardoso, um movimento concertado para a publicação integral e sistemática de todo o acervo, são muitíssimas as já contempladas, avulsamente ou agrupadas em áreas de maior ou menor dimensão, do norte ao sul do país.
    Só na última década foram dezenas os concelhos que viram editados os respectivos memoriais. Em 2005 iniciou-se mesmo um forte movimento, no Norte e Centro, para a publicação sistematizada e de forma criteriosa de distritos inteiros: foi o caso de Viana do Castelo, Braga e Vila Real, graças à coordenação de José Viriato Capela (Univ. do Minho); e outros estão a avançar no território central, sob o impulso de Saúl António Gomes e outros investigadores, com o apoio de universidades (como a de Coimbra) e editoras (como a Palimage).

O NOSSO PANORAMA REGIONAL
    Existem já, efectivamente, inúmeras monografias de história local, com a transcrição das respectivas  "memórias" (dê o leitor uma espreitadela, p. ex., em <www.bn.pt>)...
    No que respeita à região de Abrantes, o panorama geral pode considerar-se satisfatório. Em 1983, já a ADEPRA (Associação para a Defesa e Estudo do Património da Região de Abrantes) chegou a ter projectada a publicação das MP do concelho de Abrantes naquele que seria o n.º2 da sua revista, Abrantes — Cadernos para a Históra do Município. A  «Introdução», de minha autoria, estava pronta; a recolha dos textos originais, para transcrição e  anotações a serem feitas em parceria por Eduardo  Campos e por mim próprio, também estava bem  encaminhada. Só que, a dada altura, surgiram problemas...
    Veio depois a revista Tudo como dantes, que  publicou algumas freguesias, enquanto foi sobrevivendo.
    A Zahara tem sindo a publicar as do concelho de Abrantes e prevê alargar o procedimento a outros concelhos.
    Em termos de conjunto, 250 anos depois, o que  existe é o que segue.

 

Com excepção das freguesias de Abrantes-centro (cuja publicação temos em carteira de há muito), todas as demais se encontram publicadas na Zahara, a saber: no n.º 1, Maio 2003, pp. 29-32 (Aldeia do Mato); n.º 2, Dez. 2003, pp. 25-30 (Alvega); n.º 3, Maio 2004, pp. 24-29 (Tramagal); n.º 4, Dez. 2004, pp. 22-25 (Bemposta); n.º 5, Junho 2005, pp. 37-43 (Martinchel); n.º 6, Nov. 2005, pp. 35-39 (Mouriscas); n.º 7, Junho 2006, pp. 39-43 (Rio de Moinhos); n.º 8, Nov. 2006, pp. 33-38 (Pego); n.º 9, Julho 2007, pp. 28-30 (S. Facundo); n.º 10, Nov. 2007, pp. 47-49 (S. Miguel); e n.º 12, Nov. 2008 (Souto).


Publicação: a aguardar oportunidade, por parte do nosso colaborador Dr. António Matias Coelho.

 


O texto sobre Belver foi publicado por J. C. Lobato Ferreira, na sua Monografia da antiga vila de Belver, C.M. Gavião, 1984, pp. 95?-101. José Dias Heitor Patrão, in Gavião — Memórias do Concelho, Colibri, 2003, publicou as memórias das restantes freguesias: Comenda, a pp. 174-177; Gavião e Atalaia, pp. 172-174; e Margem, pp. 178-179.


Todas estas freguesias foram já publicadas, por Maria Amélia Horta Pereira, in Monumentos Históricos do Concelho de Mação, 1970, pp. 528-551.


A memória da freguesia do Sardoal foi publicada por Luís Manuel Gonçalves, Sardoal — Do Passado ao presente, C. M. Sardoal, 1992, pp. 113-116.


José Maria Félix publicou as três freguesias, in Vila de Rei e o seu concelho, 1968, pp. 666-678.
Ainda na nossa zona, foram também já publicadas, entre outras, as MP de Vila Nova da Barquinha (A Região da Barquinha no séc. XVIII. A Visão dos Inquéritos Paroquiais, ed. de 1992), e Torres Novas (Torres Novas e o seu termo no séc. XVIII, 2. a ed. 1999).

Notas

1 As paróquias dependentes do Priorado do Crato (como Aldeia do Mato, Belver, Gavião, Carvoeiro e Envendos), talvez por demora no despacho pela parte do provisor, só responderam em Setembro/Outubro de 1759.
2 Para mais informação sobre a origem e desenvolvimento do processo que culminou nas Memorias Paroquiais de 1758, vejam-se, entre outros, Pedro de Azevedo, «O Diccionario Geographico do P. Luiz Cardoso», no Archeologo Portuguez, I, Lisboa, 1895, pp. 267-268, e Maria Jose Mexia Bigotte Chorao, «Inquéritos promovidos pela Coroa no seculo XVIII», Revista de Historia Económica e Social, n.° 21. Lisboa, 1987. 

 Artigo publicado na revista Zahara nº12 - novembro 2018