capela tocha

POR ENGRÁCIA B. GROSSINHO LEITÃO – professora natural de Mouriscas

BREVE HISTORIAL

Situa-se esta capela no lugar das Lercas, freguesia de Mouriscas (paróquia de S. Sebastião) e concelho de Abrantes.

A existência de uma imagem de Nossa Senhora da Tocha que se pode datar dos séculos XVII / XVIII leva-nos a concluir que a capela já existiria em finais do séc. XVII.

A referência feita a «uma ermida dedicada a Nossa Senhora da Tocha, no lugar das Lercas», in «Memórias Paroquiais de 1758», vem dar força a esta nossa convicção.

Não temos, no entanto, conhecimento de quaisquer dados sobre a construção da capela primitiva.

Existem relatos orais que relacionam Nossa Senhora e a sua capela com as invasões francesas, portanto no início do séc. XIX.

Conta-se que os habitantes do local terão escondido a pequena igreja sob feixes de palha, com receio de que fosse alvo de profanação e roubo, como acontecia em todas as terras por onde o exército francês passava.

Ainda segundo a tradição, os habitantes das Lercas terão rezado tanto a Nossa Senhora da Tocha para que os livrasse daquele flagelo, que à passagem do exército um denso nevoeiro cobriu toda a serra. Assim, os franceses nem sequer se aperceberam da existência da povoação.

Mais de um século passou até haver novas referências à capelinha. Essas referências são veiculadas pela pessoa que é, atualmente, a mais idosa do lugar.

Conta essa senhora que, quando era muito nova, participou numa festa com procissão e fogaças em honra de Nossa Senhora da Tocha. Não se sabe se essa festa teve lugar dando continuidade a uma tradição mais antiga, mas parece-nos muito provável que sim, embora possa ter havido interrupções na sua realização.

Com efeito, estava-se no início da 3ª década do século XX. De 1914 a 1918 tinha decorrido a 1ª guerra mundial, em que participara, pelo menos, um habitante do lugar. Tempos difíceis, em que a organização de festas não seria uma prioridade do povo. Por outro lado, a agitação da 1ª República também não era propícia à realização de festas religiosas.

No entanto, conquistada alguma serenidade com o fim da guerra, os habitantes das Lercas resolveram promover aquela festa, que se realizou cremos nós, entre 1920 e 1926.

A missa foi celebrada pelo então pároco de Alvega, Sr. Padre João dos Santos. Este sacerdote deslocava-se a cavalo, nesta e noutras ocasiões, em que vinha celebrar missa a Mouriscas e era acompanhado por um ou dois dos mais valentes jovens da aldeia. Esta circunstância explica-se pela situação algo desconfortável em que se encontrava a igreja apos a implantação da República.

O sacerdote presidiu à celebração, mas parece ter ficado um pouco triste com o estado de degradação em que a capela se encontrava. Sugeriu, por isso, que pensassem em construir uma nova, morada mais digna para Nossa Senhora da Tocha.

A população das Lercas era, na altura, relativamente jovem. Na 3ª década do séc. XX, a maioria dos homens teria entre trinta e quarenta anos, homens válidos, inteligentes e cheios de vontade de realizar algo de positivo. E assim se formou uma comissão que iria assumir a responsabilidade da construção da nova capela.

Em primeiro lugar, havia que descobrir um novo espaço, uma vez que a capela antiga se encontrava “entalada entre duas casas de habitação.

Essa tarefa não foi difícil, pois o dono de uma dessas habitações, o Sr. Manuel Maia, prontificou- se a ceder o terreno onde se encontra a atual capela e ainda 600$00, em troca da antiga.

O terreno para a sacristia foi oferecido pelo Sr. Daniel Lourenço. Naturalmente que esse espaço confinava com o do Sr. Manuel Maia!

Para a construção, o maior contributo foi do povo das Lercas, como era de esperar. Mas a Comissão alargou o peditório a outros lugares da freguesia e a outras povoações: Alcaravela, Queixoperra, Penhascoso, Ribeira de Boas Eiras, Alferrarede, Alvega e Ponte de Sor.

É de referir que, no que respeita a estas terras, o peditório era seletivo. Com efeito, dirigia-se essencialmente a pessoas ligadas às Lercas, por laços familiares ou de amizade, e a outras conhecidas pela sua generosidade ou maior disponibilidade financeira.

Os promotores da obra aproveitaram também o tempo de funcionamento dos lagares para pedirem azeite. O que lhes era oferecido ficava nesses mesmos lagares para venda. Assim, recebiam o seu valor em dinheiro, o que simplificava o trabalho da Comissão.

O azeite oferecido por particulares, algum em pagamento de promessas, certamente era vendido também e transformado em dinheiro a aplicar na obra.

Um pormenor interessante: quem ia pedir pelos lagares, oferecia vinho e aguardente a quem ali trabalhava. O valor dessas bebidas era pago aos proprietários que as forneciam, mas era, naturalmente, inferior ao valor do azeite.

O Sr. Inácio Lopes, Presidente e também Secretário da Comissão, dá-nos conta dos donativos em dinheiro, géneros e materiais e também dos dias de trabalho gratuito -115,5 dias de homens e 69 de mulheres. Igualmente gratuito foi o transporte de 182 carradas de areia, pedra, cal, terra, telha e adobe. Este trabalho foi oferecido por sete pessoas, sendo de destacar os irmãos Manuel e Adelino Serras. O primeiro deu toda a pedra e toda a terra, tendo ambos feito o transporte da terra «e também acarretaram alguma areia e fizeram outros mais serviços.»

O dinheiro gasto na obra foi 4.944$00 (Alguma confusão no registo de «escudos» e «mil réis» pode originar uma pequena diferença neste montante). De qualquer modo, para chegarmos ao preço real teremos de juntar a esta quantia o valor de todo o trabalho gratuito.

Refere-se a certa altura que «João Lobato tomou de empreitada toda a igreja, todo o serviço que está para fazer por 500$20 (...) e já recebeu mais cem por conta em 29-2-1930».

Supomos que os trabalhos, iniciados em 2 de maio de 1926, foram sendo feitos pelos moradores e só na fase final a Comissão deu de empreitada os acabamentos.

As obras da capela, que se iniciaram em 2 de maio de 1926, terminaram em 28 de setembro de 1930, véspera da inauguração.

Por essa altura foi feito um novo peditório, certamente para liquidar despesas que ainda estavam por pagar.

A festa da inauguração terá tido um grande impacto, pois nela participaram duas bandas de música do Mação e a «jazz» banda de Abrantes.

Os anos foram passando. Duas gerações puderam venerar Nossa Senhora da Tocha na sua nova casa, fazer as suas orações, ouvir missa, realizar casamentos e batizados... Uma terceira geração, ainda jovem, apercebeu-se de que a capela estava a ficar em mau estado. Estávamos nos finais dos anos sessenta, quase quarenta anos tinham passado. E o tempo deixa o seu rasto, inclusivamente nas construções...

Impunha-se substituir por uma placa de betão o teto de madeira, reforçar as paredes com pilares e restaurar a torre. Era igualmente necessário substituir as antigas portas da capela e da sacristia

Um grupo de pessoas de boa vontade lançou-se na tarefa de arranjar dinheiro para estas obras. Organizaram-se festas durante três ou quatro anos e com os lucros dessas festas, em que se incluía um peditório «porta a porta», com a música de uma banda a acompanhar, arranjou-se o necessário para restaurar a capela.

Todos contribuíram com o que puderam... Uns ofereceram dinheiro, outros trabalhos (o projeto de estabilidade, a organização e o trabalho das festas), outros ainda ofereceram as imagens do Sagrado Coração de Jesus e do Sagrado Coração de Maria e os quadros da Via-Sacra. A oferta do Sacrário foi uma gentileza das Irmãs Doroteias de Abrantes.

Passados alguns anos, fizeram-se novas obras, agora de ampliação. O espaço da capela integrou a sacristia, sendo esta uma ampla sala quadrada, construída ao lado e acompanhando a frente da capela. Algum tempo depois foi construída, num recanto dessa sala, uma casa de banho.

Por baixo da sala grande, que tem servido de «casa mortuária», há um espaço que ainda não está aproveitado, por falta de acabamentos.

Esta última ampliação foi feita num terreno oferecido por uma neta do Sr. Daniel Lourenço, o proprietário que em 1926 cedeu gratuitamente o local para construir a sacristia.

Para concluir, diremos que a capelinha se encontra atualmente em bom estado de conservação e que o povo das Lercas a trata com muito carinho.

Não menos importante é afirmarmos que tanto o Pároco da freguesia como os fiéis em geral se esforçam para que seja um espaço útil, na linha dos objetivos para que foi criado.

 

IN: LEITÃO, Engrácia B. Grossinho – Capela de Nossa Srª da Tocha. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 7. Nº 13 (2009), p. 68-69