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POR TERESA APARÍCIO - Professora, membro do CEHLA

Esta farmácia, quase centenária, foi fundada em 1918, por Manuel de Oliveira Mendes, na altura um jovem de vinte e cinco anos.

Viera então para Tramagal, recém-chegado dos Estados Unidos, um médico novo, o Dr. João Mineiro, que o confrontou com a seguinte proposta: só montaria aqui um consultório se houvesse uma farmácia por perto e o seu amigo Manuel Mendes era a pessoa mais indicada para a criar, pois já tinha experiência no ramo - trabalhara em Santarém, na farmácia de um irmão mais velho, onde aprendera os princípios básicos da profissão e até já frequentara o segundo ano do Curso de Farmácia. Sem se venderem medicamentos em Tramagal, não valia a pena haver consultório e então ir-se-ia embora para outra localidade. Manuel Mendes, que também não queria que o amigo se afastasse, acabou por aceder e abrir esta farmácia, na Rua dos Cascalhos. Mais tarde, transferiu-a para o local onde agora se encontra, na Rua Dr. António Ferreira Bairrão, por ser um sítio mais central.

Manuel Mendes, que abriu a farmácia quase por imposição, ganhou gosto pela profissão e a ela se dedicou de corpo e alma, durante o resto da sua vida.

Uma farmácia era na altura um estabelecimento comercial diferente de todos os outros. Esta abria também ao domingo e durante os sete dias da semana encontrava-se aberta de manhã, à tarde e à noite, até cerca das vinte e duas e trinta. Mas alguém podia precisar, com urgência, de um medicamento durante a noite. Para esta eventualidade, levou para casa os fármacos mais usuais, que colocou num pequeno armário embutido na parede, no seu próprio quarto. Era uma profissão a tempo inteiro, no sentido literal do termo e com ela passou a ter, desde cedo, uma identificação completa.

Como era uma pessoa sociável e estando na farmácia durante tanto tempo, esta tornou-se num importante centro de convívio para as pessoas de maior relevo na terra: proprietários rurais, o padre, o professor, o médico aqui se reuniam para conversarem sobre os problemas da atualidade, jogarem as cartas e até com o último, trocarem impressões sobre os medicamentos. No Verão, vinham para a rua e no tempo frio ficavam dentro de casa, havendo até um banquinho próprio para cada um se sentar.

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Fotografia do fundador e antigos armários da farmácia.

Os medicamentos eram, na altura, quase todos manipulados (confecionados) na farmácia: xaropes, pomadas, supositórios, cápsulas, etc. Nestas últimas, o pó que as compunha era introduzido na parte inferior de uma caixinha, de tamanho variável, feita de hóstia, depois era prensado (comprimido) humidificando-se de seguida o bordo do invólucro para o unir à sua parte superior. Estavam assim prontas a ser vendidas e ingeridas.

Os medicamentos eram manipulados com um cuidado extremo e, para que tudo batesse certo, os elementos da sua composição eram pesados em balanças de elevada precisão, com pesos mínimos que podiam ir até aos miligramas. Os objetos utilizados eram variados e hoje dignos de se tornarem peças de museu: balanças variadas, potes, pinças, etc.

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À esquerda, Dra. Maria Manuela Mendes e, na coluna da direita, balança de precisão.

Os ingredientes para os confecionar eram encomendados em estabelecimentos próprios, postos em cestas redondas, feitas de verga, cosidas à volta para ficarem bem vedadas e depois enviadas pelo comboio. As empregadas da casa iam buscá-las à estação e transportavam-nas à cabeça, pois geralmente eram grandes e pesadas, até ao seu destino final - a farmácia.

Manuel de Oliveira Mendes foi o responsável por esta farmácia durante cinquenta e quatro anos, toda uma vida. E foi aqui, atrás do balcão, que a morte o encontrou, aos setenta e nove anos de idade. Morreu onde viveu, no seu posto e de pé como as árvores. Foi, certamente, a morte que sempre desejou.

Sucedeu-lhe a filha, Maria Manuela Mendes, que já se preparara para o cargo, tirando uma licenciatura em Farmácia. Contava então cinquenta anos, mas a sua ligação com a farmácia vinha de longe. Ali brincara em criança e depois foi uma dedicada colaboradora do pai. Mas só se tornou responsável em pleno pelo estabelecimento, após a sua morte.

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Armário do equipamento.

Os tempos já eram outros e o funcionamento da farmácia tinha forçosamente de se modificar. Começou a fechar ao domingo e à noite, passando a ter o horário normal das outras casas de comércio. Mas se alguém precisava de algum medicamento durante a noite, dirigia-se a sua casa e aí era prontamente atendido.

Tal como o pai, viveu o resto da sua vida para a farmácia com energia e dedicação. Não morreu como este atrás do balcão, mas quase, pois trabalhou até aos oitenta e dois anos e manteve-se no seu posto até as forças lho permitirem, três meses antes de morrer. Foi jubilada pela Ordem dos Farmacêuticos, por ter exercido a profissão durante mais de cinquenta anos.

Após a morte da Dra. Maria Manuela, ocorrida em 2003, sucedeu-lhe a filha, Maria Helena Mendes de S. Pereira Homem Sousa, como proprietária e responsável pela farmácia. Tal como sucedera com a mãe, também se encontrava ligada a este espaço desde a infância. Para aqui vinha passar as férias escolares e, desde cedo, começou a habituar-se a viver por entre os medicamentos e a acompanhar as conversas do avô e depois o trabalho da mãe. Quando chegou a altura de escolher um curso, não hesitou, Farmácia foi a sua opção.

Como a mãe foi responsável pela farmácia até uma idade avançada, a Dra. Maria Helena desenvolveu anteriormente outras atividades profissionais: trabalhou na indústria farmacêutica no laboratório da marca SANITAS, sendo depois diretora técnica da farmácia da mesma marca e, por fim, foi farmacêutica adjunta substituta na farmácia SANEX, em Lisboa.

Do avô e da mãe herdou o amor por esta farmácia, que se manifesta no imenso carinho com que manuseia os velhos objetos que já a eles pertenceram.

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Atual proprietária e colaboradores.

IN: APARÍCIO, Teresa – Farmácia Mendes em Tramagal: três gerações na sua história. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 7. Nº 14 (2009), p. 87-89