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Joaquim Alves da Vinha - Ciclista na juventude e Capador de profissão

Tem oitenta e dois anos, nasceu e reside ainda hoje no Pego, onde é mais conhecido por Joaquim Pardal, pois, como diz, “o pardal é uma ave que vive cá, mas não anda cá” e ele também, na juventude, em cima da sua bicicleta, corria com tal rapidez que parecia voar e saltava, com ligeireza, os buracos e valas tão frequentes nas estradas de então.

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Fez apenas o exame da terceira classe, porque o “bichinho” da bicicleta, que já então o começava a corroer, fê-lo abandonar a escola ainda cedo. Na altura, o futebol ainda não era rei e as corridas de bicicleta estavam muito na moda. Cada freguesia tinha uma equipa de ciclistas e organizavam-se corridas com regularidade, sendo uma das mais participadas a que abrilhantava as festas locais. Os melhores de cada freguesia iam depois integrar a equipa do concelho, que, por sua vez, o iria representar nas provas distritais de Santarém e Portalegre.

O senhor Joaquim destacou-se de tal modo na equipa do Pego, que Raul Lemos o notou e o convidou a integrar a equipa de Abrantes, onde foi campeão durante três anos e ficou em segundo lugar numa corrida distrital em Portalegre.

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Os bons resultados a nível regional proporcionaram-lhe o ingresso numa equipa da capital, o Lisboa Clube Rio de Janeiro. Em 1949, era Amador Júnior, em 1950 Amador Sénior, em 1951 já era denominado Independente. Para estar em forma, precisava de fazer seiscentos quilómetros por semana, correspondendo cada etapa a um percurso de cento e cinquenta quilómetros, distância sensivelmente igual à que separava a sua aldeia de Lisboa. Assim, as viagens de ida e volta constituíam um ótimo treino e nem precisava de outro transporte para se deslocar até à capital.  

Foi nos últimos anos da década de quarenta e no início da de cinquenta que viveu os seus maiores momentos de glória. No ano de 1951, participou, no Estádio de Alvalade, na primeira etapa da Volta a Portugal, que consistia, então, em percorrer nove quilómetros em pista. Mas, nesse mesmo dia, uma queda e um braço magoado puseram fim ao sonho doirado de correr e ser aplaudido ao longo das estradas de Portugal. Esta situação obrigou-o a afastar-se do ciclismo durante algum tempo, depois começou a namorar, a vida modificou-se e o ciclismo de competição foi um capítulo encerrado no livro da sua vida.

Virou-se a página e, como era necessário entrar a sério no mundo do trabalho, tomou-se prioritário arranjar uma profissão onde ganhasse o dinheiro suficiente para sustentar a casa e a família. O senhor Joaquim Vicente Marcão ensinou-lhe a profissão de capador, em que, na altura, não se ganhava mal.

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Os poucos que havia na região eram já idosos e os veterinários eram raros e caros, pelo que trabalho não faltava.

Era então habitual castrar várias espécies de animais: bois, cavalos e burros, para darem mais rendimento no trabalho do campo, e porcos, borregos, etc., para a came ser mais saborosa.

Em 1955, já tinha os conhecimentos suficientes para assumir sozinho a profissão que depois o acompanhou durante o resto da vida. Primeiro na sua bicicleta a pedais, depois já numa mais moderna motorizada, percorreu, durante mais de quarenta anos, as estradas dos arredores, às vezes não muito próximos, para ir fazer o seu trabalho onde era solicitado. Ao chegar a uma povoação, anunciava a sua chegada tocando uma gaita-de-beiços que ainda hoje conserva e as pessoas, quando o ouviam, acorriam, se era necessário ir “tratar” o seu animal.

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O trabalho mais frequente consistia em capar os porcos criados ao pé de casa com restos de comida, produtos da horta, farinha de milho, etc. e que, no Inverno, os donos matavam para terem carne para o resto do ano. Com os machos o trabalho era fácil e rápido. Frequentemente, era ele sozinho que agarrava o animal e, em menos de cinco minutos, tudo estava concluído.                Puxava um testículo de cada vez, dava um golpe certeiro e rápido, com um pequeno instrumento semelhante a uma faca, de tal modo que nem sangue escorria da ferida. Com as fêmeas era um pouco mais complicado. Era necessário fazer um pequeno corte, num ponto já por ele bem conhecido, tirava os dois ovários, depois cosia o golpe e dois pontos eram o suficiente. Os animais não eram anestesiados, guinchavam um pouco, mas rapidamente se restabeleciam e, apesar da pequena faca ser apenas lavada com água e sabão, raramente sobrevinham infeções. Quando começou a trabalhar, levava cinco escudos por capar um porco macho e mais um pouco por uma fêmea.

Para castrar animais maiores como cavalos ou bois era aplicado um método diferente. Não eram retirados os testículos ou os ovários, mas era feita uma espécie de laqueação com um instrumento um pouco mais sofisticado.

Andou no seu “giro” até há cerca de cinco anos, depois parou devido à doença da mulher que o reteve em casa. Agora cuida dela, com carinho e desvelo, olhando para que nada lhe falte.

De quando em quando, ainda o chamam para capar um animal de alguma pessoa conhecida, dando que fazer às ferramentas bem cuidadas, que guarda carinhosamente numa pequena pasta de couro. Hoje, leva dez euros pelo trabalho...

Diz que os rapazes, agora, já não querem aprender esta profissão. Já tentou ensiná-la a alguns, mas sem sucesso. E preciso coragem e pulso firme e eles quando começam a observar o trabalho viram a cara para o lado... E encolhe os ombros como que lastimando os jovens de hoje. Apenas conseguiu ensinar uma mulher, mas ela trabalha só para a quinta onde vive e nunca para fora.

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Tem saudades do seu “giro”, lamenta “ter de estar ali preso” e sobretudo a doença da mulher, companheira dedicada de toda uma vida e que ali vê prostrada numa cama. Como o peso dos anos já se faz sentir forte sobre os seus membros agora frágeis, chora a mocidade perdida, o vigor e as forças que o abandonaram e recorda com saudade os aplausos recebidos, quando corria pelas estradas deste país e que há muito se esfumaram na voragem do tempo.

 

In: APARÍCIO, Teresa – Profissões e Vivências em Vias de Extinção. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 4 Nº 8 (2006), p. 40-42