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POR ANA PAREDES MENDES - Socióloga do Trabalho

Neste breve artigo não se pretende fazer história do que foi a indústria da cerâmica, ou tão pouco debruçarmo-nos numa leitura exaustiva sobre o seu aparecimento e desenvolvimento.

Desde o início do século XX que a imagem encontrou uma extrema importância no quotidiano das pessoas. O fascínio da fotografia está naquilo que, por meio dela, os nossos olhos relembram sobre o nosso passado, sobre o dos nossos antepassados e daquilo (ou daqueles) que nos acompanham no presente, tornando-se uma espécie de ícone de memórias afetivas.

Qualquer estudo - seja ele ‘visual’ ou não - implica uma contextualização. No entanto, aqui tentar-se-á, através do uso da imagem, da fotografia, que o leitor encontre indícios de relações sociais, de mentalidades, de maneiras de ver o mundo, de nele viver e de o compreender. A fotografia e, consequentemente a câmara fotográfica, constituem assim uma ferramenta de análise social.

A cerâmica, como atividade de produção artística e industrial, surgiu há muitos séculos. Para além destas funcionalidades, a cerâmica produz artefactos que pretendem ter um cariz prático para a vida quotidiana.

Tudo começou nos anos 40, num lugar chamado Castanhito, aldeia do Crucifixo, num terreno de António Velho. Foi aqui que se começou a cozer o barro num forno artesanal, a lenha, e a produzir fusos, tijolos e telhas.

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Durante alguns anos foi assim que aconteceu. Lá produziam-se essencialmente fusos1, cuja patente foi negociada pelas mãos de um grupo de amigos empreendedores2, acabando mesmo por ser comprada. Nesta fase, fizeram-se contratos com cerâmicas de Carnide e Lisboa, onde os fusos eram encomendados para depois ali serem vendidos.

A urgência de aumentar a produção, trouxe por arrasto a necessidade de construir, num local mais favorável, uma cerâmica. Nasceu assim, em 1957, a Neocerâmica do Tramagal, Lda., cuja gestão era maioritariamente feita pelo Eng.° Bairrão, dado que os restantes empreendedores, sendo militares, faziam missões no Ultramar.

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O lugar do Castanho, cuja propriedade pertencia ao pai do Eng.° Bairrão, era um lugar rico em barro, fator que ajudou na construção da nova Cerâmica, cuja dimensão era de 120 metros de comprimento, 12,5 metros de flecha e um arco de 25 metros de vão. Esta indústria, tentando sempre progredir e modernizar-se, comprou máquinas em Itália e fez exportações até mesmo para Angola e S. Tomé e Príncipe.

Os fusos eram procurados, mas as bases desta indústria eram as telhas e os tijolos. Estes produtos tinham com matéria-prima a argila, ou barro, que misturada com água, formava uma pasta que depois se modelava, passando por um tratamento para tirar ‘os torrões’, isto é, para limpeza das impurezas. Posto isto, entrava nas fieiras que moldavam o tijolo e cujo formato era feito consoante a forma da ‘boca’ pela qual passava. Entrava, depois, em tapetes rolantes, passando posteriormente à secagem e à cozedura.

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Este processo já era relativamente mecanizado, embora os tijolos fossem tirados com uma forqueta e a desenforna feita manualmente. Os combustíveis utilizados para a cozedura do tijolo, eram deitados por cima do forno, sendo eles o bagaço e serradura ou carvão e serradura, produzindo assim calor num forno com cerca de 50 metros de comprimento.

Em conversa informal com o Sr. José Menaia, este relatou a sua experiência como trabalhador da Cerâmica do Crucifixo. Trabalhou lá 25 anos e é com alguma tristeza no olhar que recorda os bons tempos que lá passou. Conta que entre as suas atividades estava tirar o tijolo a forqueta, cavar o barro, passando depois a enfornar e desenfornar. Nessa altura, trabalhava por turnos, juntamente com os forneiros, e quando voltou à tarefa de tirar o tijolo à forqueta é que passou a ter um horário fixo: “as noites são para estar com as mulheres”, conta entre gargalhadas!

A D. Eduarda Maia, antiga trabalhadora dos escritórios da Cerâmica, relata que esta era também conhecida como Valura e que contava com cerca de 30 trabalhadores, sendo este número variável consoante o trabalho a realizar e as encomendas que a fábrica tinha.

A falta de barro no Castanho, a crise do tijolo e o aparecimento de mais cerâmicas em Tomar, Entroncamento, Armais e Porto de Mós, juntamente com a Revolução do 25 de Abril de 1974, levou à venda desta indústria em meados dos anos 80, sendo atualmente propriedade de um negociante de Castelo Branco.

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Atualmente, e infelizmente, o abandono é o destino final de muitas destas indústrias... resta-nos reviver através da imagem!

NOTA FINAL

Um agradecimento ao Sr. Eng.° Bairrão, Sr. José Menaia e D. Eduarda Maia pela colaboração.

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Aspeto atual do exterior da cerâmica.

Notas

1 - Espécie de garrafa em barro, 'cortada' ao meio e com 'gargalo'.

2 - Entre outros nomes, destacam-se o Eng.° Bairrão, o Eng.° Vasco Ramires e o Coronel Carreira.

 

IN: MENDES, Ana Paredes – A Neocerâmica. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 7. Nº 13 (2009), p. 61-63