Por Joaquim Candeias da Silva
Membro da Academia Portuguesa de Historia e do CEHLA
Muito se escreveu já sobre a importância deste típico instrumento jurídico do Portugal medievo. Efectivamente, os forais (os antigos) tinham sido uma das manifestações mais fortes do processo de formação do reino ao longo dos seculos XII-XIII, como cartas de privilégio que eram, com o objectivo primordial de assegurar o povoamento e a defesa das primitivas vilas (mas também de algumas novas), facultando para isso um conjunto de disposições ligadas ao direito administrativo, fiscal, penal, privado e militar. Todavia, passada essa fase inicial, com o poder consolidado, esses privilégios e normativos foram -se revelando progressivamente desactualizados e a sua reforma passou a ser pedida com bastante frequência, em Cortes, conhecendo-se disso testemunhos já no seculo XV, desde D. Joao I (1430), e depois sobretudo com D. Afonso V (1472-73 e 1475).
E relativamente bem conhecido dos abrantinos o 1.0 Foral, afonsino, concedido vila e concelho de Abrantes por D. Afonso Henriques em Dezembro de 1179, na sequência de uma violenta incursão muçulmana sobre o acastelado burgo. Perdeu-se o original do diploma, na voracidade do tempo, é certo, mas ficaram dele, felizmente, algumas cópias, que estão publicadas e correm impressas em diversas obras, desde Alexandre Herculano... E basta uma observação rápida em diagonal, mesmo a qualquer leigo na matéria, para se perceber que esse foral, como todos os forais antigos de qualquer terra, nada tem a ver com os da nova geração, quase todos do seculo XVI, que por isso passaram a ser designados por forais novos.
O que é que então se passou?
Os primeiros estavam marcados por um tempo, de lutas, de incertezas, e tinham objectivos precisos de fixação de gente, sendo em muitos casos instituidores de concelhos e garantes da sua autonomia. Ter uma terra foral, nessa primeira fase, era uma distinção que orgulhava qualquer uma. Já quanto aos segundos, num contexto muito diferente, tinham objectivos também muito diferentes, como melhor veremos adiante. Assim se compreende que, em 1497, o rei D. Manuel, recentemente chegado ao poder, tenha pedido aos contadores das comarcas para remeterem à corte os forais velhos das terras de sua jurisdição, a fim de serem reformados, e logo em 1498 solicitasse aos corregedores que revissem os direitos foraleiros na generalidade, tendo ainda o cuidado de enviar uma espécie de circular ou aviso às povoações para que enviassem à corte representantes seus com vista à preparação da dita reforma, pois tal bulia com direitos e costumes ancestrais, com o valor das moedas, dos pesos e medidas, das portagens, que diferiam de terra para terra.
Para melhor contextualização desta matéria, importa ter presente que se estava num tempo de grandes mudanças, do Renascimento, da grande aventura dos Descobrimentos. Dá-se agora mais valor ao registo por escrito e à quantificação. Mesmo sem falar em aspectos globais que advinham da grande empresa que era a Expansão além-mar, D. Manuel apercebeu-se da imperiosa necessidade de reformas orgânicas, e por isso mandou que se fizessem, por exemplo, os chamados livros de Leitura Nova (1504), isto numa espécie de complemento às Crónicas que também mandara preparar a Rui de Pina [a Crónica de D. João II foi concluída em 1504]. Ainda em 1504, o rei "Venturoso" toma também a decisão de mandar imprimir o «Regimento dos oficiais das cidades vilas e lugares», que deveria incluir um conjunto de normativos específicos que as povoações deveriam ter. Mas, para além disso, preocupou-se com as « Ordenações» (1.ª edição em 1512) , leis gerais que pretendiam uniformizar as normas de gestão do poder local e da justiça, as quais desse modo, salvo raras excepções, deixavam de ficar expressas nos forais.
Conforme muito bem observou o conceituado historiador e prezado amigo José Manuel Garcia, -na sua recente e excelente obra Os forais novos do reinado de D. Manuel, ed. do Banco de Portugal, Lisboa, 2009, que muito útil me foi para a elaboração deste artigo, assim se começava a ultrapassar a excessiva diversidade de organização concelhia que até aí espartilhava e dividia o país, dificultando a sua governação. E, nessa medida e face ao contexto referido, há que dar inteira razão ao autor quando afirma que "A preparação dos forais novos foi a mais ambiciosa acção levada a cabo em Portugal por este monarca" (op. cit, p. 7), Na verdade, num balanço geral à forma como se processou tal acção e tendo em conta os resultados atingidos, é caso para concluir que essa foi, efectivamente, «uma reforma modernizadora do país sem precedentes, à escala do que era possível num tempo como era o do início da Idade Moderna». E tão importante ela foi que atravessou toda essa Idade — o chamado "Antigo Regime" vindo a durar mais de três séculos, pois vigorou pelo menos até à implantação do Liberalismo (revoluções de 1820 e 1834, e consequente monarquia constitucional).
Com a presente reflexão não pretendo, contudo, entrar por grandes teorizações e considerações genéricas. Assunto da maior relevância para a História Local, os forais novos, apesar de serem uma medida centralizadora tendente a promover uma ordem jurídica o mais possível uniforme ao nível nacional e de serem vistos por muitos mais como pautas fiscais a regulamentar a arrecadação de impostos por parte do Estado ou da Coroa (os direitos reais) , contêm alguns — eu diria até muitos — aspectos interessantes para um estudo atento da economia e da sociedade daquele tempo. Isto porque o legislador foi, de um modo geral, criterioso na análise feita ao direito consuetudinário (os costumes e tradições das terras), não descurando a articulação entre os diversos poderes (central, local e intermédio), procurando mesmo respeitar algumas especificidades locais. E por isso se pode dizer que, em cada foral novo, é possível detectar sinais interpretativos da realidade concelhia ou da comunidade e população destinatária. Vejamos, no caso de Abrantes, o que diz o diploma manuelino de 1510, logo a abrir: DOM MANUEL, per graça de Deus Rey de Portugal / e dos Alguarves daaquem e daalem / mar em Africa, Senhor de Guyne e da / conquista, navegaçam e comercio de / Ethyopia, Arabia, Persia e da India e cetera. / A quantos esta nossa carta de fo/raal virem dado aa nossa Villa dA/brantes fazemos saber que, por bem / das diligencias, ysames e inquy//rições que em nossos zegnos e senhorios mandamos fazer, para justificaçam e declaraçam dos foraaes delles e para algumas sentenças e detriminacões que com os do nosso conselho e leterados passamos e fezemos, acordamos, visto ho foral da dicta Villa dado por El-Rey Dom Afonso Anriquez, que as rendas e direitos se devem na dicta Villa pagar e recadar na maneira e forma seguinte. (...) zahara Agora, importa ter bem presente que o Foral julho 2010 11015 11015 Novo de Abrantes, embora sendo dirigido a uma 4 5 povoação ou concelho específicos, não correspondeu a uma acção individualizada, não foi um produto exclusivo, desarticulado. Ele foi, antes, uma parte de um todo, um exemplar entre centenas, forais estes que foram sendo preparados minuciosamente, ao longo de vários anos, por uma vasta equipa de juristas e de técnicos credenciados. Para que o leitor faça uma pequena ideia do esforço que tão magna tarefa implicou, dir-lhe-ei que, no seu conjunto estão contabilizados 317 forais novos — todos eles feitos em triplicado (sendo um exemplar para a Câmara, outro para ficar arquivado na Torre do Tombo e o terceiro para o senhorio da terra ou donatário), em pergaminho, a uma média de 15 fólios por exemplar, quase todos decorados com artísticas iluminuras e apuradíssimo cuidado caligráfico, como se poderá depreender da amostra supra.
Por terras e por anos, o primeiro a sair foi o de Lisboa em 1500, a que se seguiu o de Évora (1501) e depois Montemor-o-Novo (1503). Outros, da nossa região ou do centro do país: Santarém (1506) ; Leiria, Tomar e Torres Novas (a 1.5.1510); ABRANTES, Castelo Branco, Guarda, Almeida, Seia, Gouveia, Covilhã, Belmonte, Penamacor e Bemposta, Monsanto, Proença-a-Velha, Rosmaninhal, Salvaterra do Extremo, Segura, Idanha-a-Nova e Idanha-a-Velha, Penha Garcia, Sortelha, Sobreira Formosa e Castelo Novo (todos a 1.6.1510, a que podemos juntar ainda VilaFranca de Xira, Alenquer, Beja, Portel, Olivença, Pinhel e Miranda Douro). Um pouco mais tardios foram os de terras nossas vizinhas, como Atalaia e Asseiceira (hoje dos concelhos de Vila Nova da Barquinha e Tomar, respectivamente) a 2.11.1514, Paio de Pele (=Praia do Ribatejo, Barquinha) a 22.12.1519, Ferreira do a 12.3.1513, Sertã a 20.10.1513, Vila de Rei a 1.10.1513, Cortiçada / Proença Nova a 1.10.1512, Gavião a 23.11.1519, Belver a 18.5.1518, Nisa a 15.11.1512, Longomel e Margem (Ponte de Sor e Gavião, respective) a 1.7.1518.
Em síntese, por volume de produção e por anos, o de 1510 (do Foral de Abrantes que estamos a evocar) contemplou 64 localidades, o de 1512 chegou a mais 72, enquanto o de 1514 — o ano de maior pujança reformadora nesta matéria — atingiria o topo da lista com 237 forais. O trabalho de toda esta massa foraleira duraria ainda até 1520, quando o reinado de D. Manuel já se abeirava do fim. Nesse ano, provavelmente satisfeito com o ritmo e a capacidade de trabalho do principal responsável pela ingente tarefa, Fernão de Pina (que era irmão do cronista Rui de Pina) , mandou o monarca atribuir-lhe uma gratificação de 70$000, a qual foi dada em Évora, a 26.5.1520. Há, todavia, a assinalar que houve terras com forais posteriores e também com mais do que um foral nova do conjunto referido, fazem parte 34 casos de dois ou mais forais atribuídos a uma mesma povoação, como foi o caso de Abrantes, que de seguido passo a analisar mais em pormenor.
Abrantes foi, na verdade, um caso muito particular deste panorama, porque lhe são conhecidos nada menos que 4 (quatro) versões do mesmo foral. A saber: dois forais com frontispícios e datas diferentes — o de 1 de Junho de 1510, dado em Santarém, e o de 10 de Abril de 1518, dado em Lisboa — e dois outros que são exemplares secundários, ambos com a mesma data e local do primeiro e que podem ser considerados como versões abreviadas ou duplicadas [cf. Torre do Tombo, Estremadura, pp. 58-63 e de novo empp. 272-2731. O primeiro, o mais puro de todos e de que se conhece apenas o exemplar guardado na Casa Forte do arquivo oficial (Torre do Tombo) , acaba de ser editado pela Câmara Municipal de Abrantes; o último, o que acabou por vingar e de que não ficou qualquer outro exemplar ou cópia na fonte, foi publicado há anos também pela CMA (fac-simile com leitura dos documentos apensos por Maria do Carmo Jasmins, em 1968). Comecemos então, logicamente, pelo princípio, ou seja pelo Foral de 1510.
D. Manuel I, numa atitude de legítima autoridade e poder absoluto (no sentido literal do termo, ab-solutus, livre e sem pressões de ninguém) , começa por invocar os seus muitos títulos e afirmar que era sua esta vila [de facto era, quanto a certasjurisdições; embora fosse senhor dela e com muitos privilégios 0 2 0 Conde de Abrantes, D. João de Almeida]. Diz também que tivera em conta o foral antigo, mandado passar (em 1179) por D. Afonso Henriques. E, logo a seguir, entra pela especificação dos direitos reais nos reguengos da vila e seu termo, nos caneiros do Tejo, moendas de Rio de Moinhos e pensões dos tabeliães da vila.
Mais adiante, a seguir ao capítulo do "Montado" [relativo à madeira e gado dos montes] e antes da "Portagem", regista um interessante capítulo sobre a "Liberdade" [aqui no sentido de jurisdição ou regime autonómico], um privilégio antiquíssimo que já constava no foral afonsino e que o rei agora confirmava neste novo foral... «para sempre»! E, pelo menos, o que nos diz o texto:
E porquanto pelo dito foral [de D. Afonso Henriques] foi dado por privilegio e liberdade aos lugares outros que o têm, e por conseguinte aa dita Villa, que nunca fossem dados em senhorio a nenhuma pessoa, portanto a nós aprouve e praz de lho assy confirmar neste nosso foral para sempre.
Este é, efectivamente, um assunto importante e que requer um comentário mais alargado. Porquê? Diga-se desde já que, por causa deste capítulo ou simples frase, que ao tempo talvez já andasse esquecido, devem entretanto ter surgido algumas querelas com os poderes locais, por o mesmo suscitar dúvidas ou mesmo contradições... Pois, como é que se poderia escrever isto em 1510, estando a vila dada em senhorio ao conde D. João de Almeida, por herança confirmada de seu pai, e já prometida ao filho D. Lopo de Almeida (o II do nome)? Ora, por esta ou outra razão, o que é facto é que algo foi mudando nas relações do monarca com o senhorio; e o Foral de 1510 veio a sofrer alterações, precisamente naquele capítulo da "Liberdade" Como é que as coisas se teriam passado então?
Em 1512, ano da morte do conde D. João, ainda o foral tido era público nem tinha sido apresentado a camara. E quem sucedeu no condado? ...De acordo com anterior promessa, ficou o filho D. Lopo como 3.0 conde (1513), ainda com os senhorios de Abrantes, Punhete, Sardoal e Mação unidos, o que o próprio monarca confirmou, talvez sem se lembrar da letra do Foral. Mas, na verdade, algo tendia a mudar na politica regia de merces e jurisdições: porque, embora com atraso, a 14 de Novembro de 15160 rei mandou entregar o foral a camara, mantendo o tal item da Liberdade... Ou seja, a vila de Abrantes jamais deveria voltar a posse de privados, porque era da Coroa. Decididamente, a relação com a família Almeida já se teria azedado antes, porque o conde faltou a entrega do foral, tendo-se feito representar pelo seu ouvidor, Afonso Dias. Per certo, já então D. Manuel teria em vista cid-10 a urn seu filho. E a decisão seria cumprida: falecendo D. Lopo (1530), o titulo condal e a merce do senhorio não foram renovados na pessoa do seu primogénito (outro D. Joao de Almeida), ficando então per senhor de Abrantes o Infante D. Fernando [que havia nascido e viria a falecer em Abrantes (1507-1534)1. E ai (ou já antes), que fez o pretendente a sucessão? Agravado, passou-se para Castela...
Como se fosse urn "jogo do poder", disso se aproveitou o secundo genito, D. Antonio de Almeida (1500-1556). Quando o pai - conde D. Lopo - se finou, procurando o rei compensar a família do falecido por eventuais prejuízos causados e não obstante haver uma decisão regia (de 1511) concedendo a Abrantes um privilegio para que «em nenhum tempo se pudesse tirar nem desmembrar nenhum lugar do seu termo., encontrou então uma "saída airosa": retirar o Sardoal ao senhorio de Abrantes e do Infante D. Fernando. E foi assim que em 1531, de Évora e duma penada, o rei mandou passar uma serie de diplomas: per um deles, de 22.9.1531, promovia o lugar do Sardoal a vila e concelho, agora inteiramente autónomo, per outro concedia ao referido D. Antonio um conjunto de merces, e entre elas o senhorio da nova vila e dos seus padroados (em que se incluía a apresentação da igreja de Santiago e S. Mateus, já então anexada a Ordem de Cristo).
Na carta do novo concelho dizia o rei (já D. Joao III) que tomou a decisão de motu próprio e poder absolute (livre, sem pressties), per ver o crescimento populacional que o lugar denotava e ainda o seu desenvolvimento, mas a realidade seria outra. O Sardoal era, assim, a moeda de troca, para "fazer as pazes" e de certo mode ressarcir os Almeidas das suas grandes perdas... Mas - perguntara. o leitor- o que é que tudo isto terá a ver com o Feral Novo de 1510? Tem muito. Porque, perante a questão jurisdicional do senhorio de Abrantes (a tal questão da "Liberdade") , os responsáveis da Corte entenderam por bem mandar substituir o Foral, eliminando-lhe esse capítulo polémico, que aliás deixara de fazer sentido1.
E foi assim que, embora não fosse de todo necessário — porque afinal tudo se mantinha exactamente na mesma —, o rei mandou passar outro exemplar: este, feito por Jorge Rodrigues, foi dado em Lisboa a 10 de Abril de 1518 e apresentado à Câmara de Abrantes no dia 7 de Julho seguinte. Mais. Para que não restassem quaisquer dúvidas sobre esta matéria, o rei, através da sua Chancelaria, emitiu pouco depois um mandado geral no mesmo sentido, o qual também fez chegar à câmara de Abrantes. Rezava assim esse diploma, datado de Lisboa, 26 de Agosto de 1518:
D. Manuel, etc. A quantos esta nossa carta virem fazemos saber que, porquanto no capitolo da liberdade que foi antigamente outorgado pelo foral do rei Dom Afonso Henriques à vila de Abrantes para não ser dada em senhorio a pessoa alguma (...) , lhe damos de noovo privilégio para sempre, e que nunca em tempo algun possa ser nem seja revogado; e queremos e nos praz que por falecimento de Dom Lopo de Almeida, conde que ora é da dita ela nem as rendas e os direitos reais dela não sejam dados em senhorio por nós nem pelos nossos sucessores a pessoa alguma de qualquer estado e condição que seja, ressalvando os infantes meus muito amados e prezados filhos ou filhos dos reis nossos sucessores2.
Era mesmo o fim da sucessão do condado de Abrantes nas mãos dos "temidos Almeidas" , condes e senhores da vila. E era a avocação deste importante e rendoso senhorio por parte do rei Venturoso.
Apenas mais algumas notas, brevíssimas, sobre este Foral (de 1510). O original encon tra-se, ao presente, como disse, bem acautelado na Casa Forte da DGARQ (ex -IANT/TT) e em bom estado de conservação [cota «TT-FC-1-336», podendojá ser consultado on line, através do DIGITARQ, e em suporte de papel através da edição recente da CIMA]. Tal como muitos outros documentos coevos, é um códice em pergaminho, sem capas (mas com indícios de duas costuras, uma sobre nervos com vestígios de trancelim azul e outra posterior de tipologia de arquivo com linha branca), contendo 15 fólios numerados e 4 inumerados, mais o texto da apresentação à Câmara (de 14.11.1516).
O frontispício do fólio 1, seguindo um modelo comum, é ricamente iluminado, a várias cores, podendo dividir-se em dois registos: no superior o escudo com as armas de Portugal e do monarca sobre um fundo azul, sendo 9 os castelos a rodear as 5 quinas, ladeado por duas esferas armilares douradas, ambas com o ano de 1510 bem assinalado na faixa central, em diagonal (data da concessão e decerto também da pintura).
Todo o conjunto desse primeiro registo assenta sobre uma tarja de transição com a parte inferior, em fundo castanho, na qual está inscrito em maiúsculas o nome do soberano — DOM MANVEL. No registo inferior, a cerca de 2/3, destaca-se uma caixa com o início do texto do diploma (o atrás transcrito), delimitado por uma composição ornamental muito bela e original, em cercadura assimétrica, em que as tarjas laterais e inferior são coloridas com pequenas folhas, flores e frutos (morangos), entremeadas por algumas aves de perfil... Sabe-se que este trabalho foi desenvolvido por alguns dos excelentes calígrafos e iluminadores da equipa de Fernão de Pina, escrivão da câmara real e tabelião do paco: a saber, mestre Jerónimo, Francisco Pires, frei Gamarra e frei Diogo, ao custo de 12 cruzados a pagar pelas partes.
A finalizar, informa-se que a mais antiga edição do Foral de Abrantes se encontra na biblioteca do Banco de Portugal, o qual, segundo José Manuel Garcia, é também o detentor da mais antiga edição de forais impressos em Portugal: trata-se do «Foral da Villa de Abrantes que para reformar o Foral antigo del Rey D. Affonso Henriques lhe deu EIRey D. Manoel o primeiro de Junho de 1510', impresso em Lisboa Ocidental, na Oficina da Música, em 1732, com 46 páginas. Trata-se de uma edição feita a pedido do Marquês de Abrantes (que era também 3. 0 marquês de Fontes e 6.º conde de Penaguião), D. Rodrigo de Sá Almeida e Meneses (t 1733), a qual teve por base o texto do primeiro foral manuelino de Abrantes, que se encontra no «Livro dos Forais Novos da comarca da Estremadura», da Torre do Tombo [cota F.E 2185] 3.
Notas
1 Numa publicação da CMA, de 1991 ("edição diplomática" do Foral de 1518, pp.9 e 10), Eduardo Campos alegava como possível justificação para a dita substituição o facto de o 1.º foral (de 1510) ter sido redigido «pelo infeliz Fernão de Pina». Nada disso. Campos fez confusão com um homónimo, filho de Rui de Pina e sobrinho de Fernão de Pina to dos forais, m. 1524). O segundo sucedeu ao pai em 1523 nos cargos de cronista-mor e guarda da Torre do Tombo, e esse sim é que foi infeliz!... Logo, fica de todo excluída tal hipótese.
2 AHA, LR5, fl. 293v.
3 Para uma Bibliografia sobre Forais, alem da obra citada de Jose Manuel Garcia (2009), veja-se sobretudo Luis Fernando de Carvalho Dias, Forais manuelinos do reino de Portugal e do Algarve, ed de autor, 1961-65, e Maria Jose Mexia Bigotte Chorao, Os forais de D. Manuel (1496-1520), ANTT, Lisboa, 1990.
Artigo publicado na revista Zahara nº15 - julho 2010