"Foi uma alegria que ninguém saberá descrever. Uma esperança sem limites. Uma crença absoluta — só quebrantada por dezenas de anos de oportunismo e por levadas sucessivas de arrivistas sedentos de dinheiro e de poder".
Eurico Heitor Consciência

 

Existiam, nesta região, importantes estruturas organizadas de oposição ao regime salazarista/ marcelista? Quais os momentos/acções mais marcantes da actividade oposicionista?
Eurico Heitor Consciência: Não. A actividade oposicionista limitava-se à colaboração nos comícios que se faziam em Abrantes nas campanhas eleitorais e à distribuição das listas para votar.

Entre Março de 1974 e Junho de 1975, o Dr. Consciência interrompeu as suas funções enquanto director do Correio de Abrantes, a que se deveu este interregno? Como encara a acção deste jornal enquanto agente de oposição ao regime salazarista/marcelista?
O tom agressivo, do contra, do jornal começou a preocupar o dono do mesmo, que, sendo só tecnocrata, desempenhava funções importantíssimas (Presidente do Gabinete da Area de Sines), pelo que começou a ponderar os incómodos de manter umjornal "desalinhado". Uma providencial avaria da linotype na tipografia do jornal fez suspender a sua publicação durante meses — no termo dos quais tive uma surpresa: o director era outro.
O Correio de Abrantes fez esclarecimento e abertura de mentalidades e foi uma pedrada no charco daquele tempo — como, na altura, foi apontado pelo República e pelo Expresso (pela mão de Marcelo Rebelo de Sousa). Mas não durou muito tempo.

Como decorreu no Largo da Feira (actual Esplanada 1.º de Maio) a organização da manifestação do 1.º de Maio de 1974? Verificaram-se algumas dificuldades no sentido de determinar quem a deveria encabeçar?
Não posso dar informações precisas sobre a organização da manifestação do 1.º de Maio de 1974. Tenho a noção de que os activistas da organização foram alunos do Liceu de Abrantes .com o Jorge Lacão e o Mário Semedo à cabeça).
Sobre cabeças e encabeçamentos aconteceu o que sempre sucede neste país de pobres: quando surge uma oportunidade de melhorar a vida, todos desatam a esticar o pescoço e há homens com dois metros de pescoço... Mas terá sido consensual, por ser justo, que na cabeça do pelotão fossem os veteranos Dr. Orlando Pereira e Dr. Francisco Semedo.

Que aspectos desta manifestação lhe parecem dignos de maior destaque?
A adesão impressionante de todos os abrantinos. Uns por quererem a revolução, outros por temerem a revolução.

No 1.º de Maio de 74, várias figuras abrantinas jantaram no restaurante Vera Cruz. O que aconteceu e a que se destinava este encontro?
O jantar do 1.º de Maio estava no programa das festas. Não há festança que preste sem janta. O que de notável aconteceu foi ter sido planeado e friamente executado um programa oratório que concertadamente encetou a eliminação da temida concorrência previsível aos lugares e aos tachos.

Volvidos 30 anos, que leitura faz dos sentimentos que o invadiam na Primavera de 1974?
Foi uma alegria que ninguém saberá descrever. Uma esperança sem limites. Uma crença absoluta — só quebrantada por dezenas de anos de oportunismo e por levadas sucessivas de an•ivistas sedentos de dinheiro e de poder.

 

 

 

"Ainda me lembro duma frase que proferi: «o fascismo é como o amor, é fácil de apagar com uma borracha». Que coisas a gente diz!!!"
José — Alberto Marques

 

Existiam, nesta região, importantes estruturas organizadas de oposição ao regime salazarista/ marcelista? Quais os momentos/acções mais marcantes da actividade oposicionista?
José —Alberto Marques: Cheguei a Abrantes em 1969. Porém, desde muito cedo, ou pelos amigos, ou pelas leituras, ou por razões (discutíveis) familiares (Maria Lamas era prima direita da minha avó e andou comigo ao colo), ou por um desígnio insondável, interno eu era oposicionista desde os meus tempos de colégio e ainda mais quando entrei para a Faculdade, em Lisboa. Foi, portanto, natural interessar-me por saber o quê e quem estava do meu lado. Eu fui fácil de entender, pois escrevia no jornal República, os daqui eram da CDE que penso não ter tido o peso suficiente para grandes eventos em função do número reduzido de militantes. E claro que conheci comunistas clandestinos na sua terra e outros com uma vertente mais anarco-social, na qual eu me revia e que tinha um raio de acção mais visível. Acho que as Jornadas Culturais, então criadas, edificaram, pelo menos, em duas actividades marcos assinaláveis, impossíveis de esquecer, quais momentos-monumentos que o caetanismo fascizante local engoliu com as pestanas trementes a fazer de falsa cortina. Cito:
Criação dum cemitério no Jardim da República com produção da parceria surrealista Manuel Granjeio Crespo e Luiz Pacheco, onde, sem dúvida, o realizador do filme foi o Dr. Eurico Consciência; Um espectáculo de música no antigo Convento de S. Domingos com a presença de vários cantores de intervenção, de que se destacava José Afonso.
Devo referir, também, que nas eleições de 1973 se realizaram dois comícios no mesmo dia e à mesma hora. O regime instalou-se no Teatro S. Pedro, a oposição, onde estive, encheu por completo o Cinema de Alferrarede.
(Pessoalmente conheci a Maria Cardoso e Caxias, mas por ser pessoal, são contas doutro rosário).

Como decorreu no Largo da Feira (actual Esplanada 1.º de Maio) a organização do cortejo? Verificaram-se algumas dificuldades no sentido de determinar quem o deveria encabeçar?
Eu penso que foi fácil, facílimo, organizar o cortejo. Quando as pessoas em Abrantes viram pela primeira vez grupos enormes de pessoas, conhecidas e menos conhecidas, desfraldando bandeiras do Partido Comunista, além do arrepio que lhes passou pelas veias e eu "vi isso", natural será dizer que o cortejo num lapso de tempo estava organizado. É evidente que o respeito político, intelectual e cívico que mereciam o Dr. Orlando Pereira e o Dr. Francisco Semedo, "ipso factu " encabeçaram a manifestação.
As dificuldades existiram depois na escolha das personagens que haveriam de falar à multidão na varanda dos Paços do Concelho no "tal" dia 1.º de Maio que foi 0 25 de Abril em Abrantes, «nanja» eu que estive em Lisboa nos locais mais quentes da refrega, entre aspas.
E as movimentações foram mais que muitas. Lembro-me de nomes vetados por razões que os homens entendem (perdoável!) nestes momentos ser importante para distinguir a coerência da incoerência, se forem estas as palavras correctas. Mas tudo se compôs, discursando uns e outros, sublinhando que a dignidade de alguns auto-excluídos mais abrilhantou aquele dia de sol, isto dentro de mim que dos outros não sei falar.
(Quando ouvi as palmas, após a minha última palavra disse para comigo: terminei a missão. Agora vou escrever.)

A figura do Dr. Orlando Pereira parece assumir particular destaque de entre os líderes desta manifestação. De que forma perspectiva o percurso político desta personalidade?
Desde que o conheci, e apesar da idade que nos separava, sempre encontrei um homem sensato, corajoso, humano, fiel aos seus valores de uma vida. Era naturalmente o 1.º nome para presidir à Comissão Administrativa da Câmara Municipal. Não o quis. Fizemos muitas viagens, muitos comícios e sessões de esclarecimento (como se dizia) no post 25. Alguns muito difíceis em ambientes verdadeiramente hostis. O tempo passou. Entretanto foram marcadas eleições para a Assembleia Constituinte. Eu, previsivelmente iria concorrer por um agrupamento de margem, no caso o M.E.S.; ele foi o cabeça de lista por Santarém do MDP/CDE. Nenhum foi eleito. Creio que nessa altura pensei que sob aquele manto diáfano se escondia um político e uma ambição política. Certamente era engano meu, mas sim uma natural estratégia partidária há muito idealizada. Nunca falámos disso. Almoçámos muitas vezes .com amigos) em Lisboa onde vivia. Convidei-o para várias exposições, instalações e performances. Nunca faltou. Ainda me lembro do seu rosto e do seu coração neo-realistas, e dos lábios neo-realistas a dizer-me, sem esforço, que ninguém pára o futuro.

Que aspectos desta manifestação lhe parecem dignos de maior destaque?
A presença em massa do Povo do Concelho de Abrantes na maior concentração a que a cidade assistiu. E um emblema invisível à lapela, no qual os meus olhos escreviam "liberdade" e "civismo". E ainda o meu orgulho de ter lutado para isso.

No 1.º de Maio de 74, várias figuras abrantinas jantaram no restaurante Vera Cruz. O que aconteceu e a que se destinava este encontro?
Fora um jantar comemorativo da data que se vivia e exaltava, que julgo idêntico a alguns a que assisti nos 5 de Outubro de antigamente, mas sem algemas, nem mordaças, sem polícias por perto, sem informadores por dentro e pides por fora. Reescrevo: sem pides?
Ainda me lembro duma frase que proferi: «ofascismo é como o amor, é fácil de apagar com uma borracha». Que coisas a gente diz!!!
(Ah! e o meu punho fechado no alto do braço no écran da televisão).

Volvidos 30 anos, que leitura faz dos sentimentos que o invadiam na Primavera de 1974?
Sinto que houve uma passagem de "A noite do iguana" para "Um filme doce". Mas temo, fortemente temo, ficar a ver "E tudo o vento levou

 

 

 

"Olhar para o acesso à educação dos jovens de Abrantes e concelhos limítrofes nesse tempo e hoje é um bom exercício. Sobretudo capaz de deixar sem fala certos Velhos do Restelo... "
Mário Pissarra

 

 

Sei que se encontrava em Abrantes há relativamente pouco tempo. De que modo se viu envolvido na organização desta manifestação do 1.º de Maio de 1974?
Mário Pissarra: Eu havia chegado a Abrantes em Outubro como professor de Religião e Moral no então Liceu, situado junto ao castelo no edifício Carneiro. A percepção que então tive de Abrantes foi de uma sociedade muito fechada, com uma mentalidade bastante rural e conservadora. Os locais frequentados pelos alunos eram bons indicadores da sua origem de classe. Ora eu vinha do Porto, onde havia terminado o Curso de Teologia e frequentado a Faculdade de Letras durante três anos, tinha trabalhado durante as férias de Verão nos últimos quatro anos na República Federal Alemã, estava imbuído do espírito renovador do Concílio Vaticano II, fora despertado para as questões políticas, era muito crítico em relação à guerra colonial, participara em reuniões da JUC (movimentos dos estudantes católicos), entre outros aspectos, não admira, pois, que para muitos adolescentes da época eu representasse uma lufada de ar fresco. Isto passou por coisas tão insignificantes como o modo de vestir, o levar para as aulas um gravador que havia trazido da Alemanha, um tipo de linguagem diferente, o praticar muito desporto com os alunos, o tratamento informal, o abordar temas tabu, etc.
A tudo isto é preciso acrescentar dois outros elementos: eu era um professor de Religião e Moral com habilitação para dar Filosofia numa escola em que uma parte significativa do corpo docente não tinha habilitações; era professor de todas as turmas do Curso Geral (hoje: 7.º, 8.º e 9.º ano) e de algumas turmas do Complementar, pois a aula de Religião e Moral era só uma hora por semana; nesse ano tive 18 turmas e cheguei a conhecer quase todos os alunos do Liceu pelo nome. Foram as aulas que mais exigiram de mim em toda a carreira de professor, pois não podia refugiar-me nos conteúdos, nos testes ou nos exames. A imaginação e as estratégias de sedução para as aulas de Religião e Moral foram os recursos a que deitei mão. Ainda sinto hoje uma grande alegria quando alguns alunos me lembram esses tempos e o que isso significou para eles e, sobretudo, o facto de ter nas aulas mais alunos do que os da turma e do que os matriculados. Isto gerou certas dinâmicas de relação e actividades com os alunos que permite compreender o que se passou em relação à manifestação do 1.º de Maio.
Os jovens de Abrantes, como em todo o país, foram dos mais entusiastas na sua adesão. Na província a formação política era muito pouca, mas o entusiasmo da festa e o sentir-se protagonista dos acontecimentos tiveram muito peso. Por outro lado, enquanto os adultos mais calculistas e pragmáticos se retraíam defensivamente, os jovens, por sua vez, não tinham barreiras e eram mais espontâneos. Assim lembro-me de me deslocar com um grupo de alunos do Liceu ao então Ciclo Preparatório (a funcionar no Convento de São Domingos) e ultimar um comunicado à população de Abrantes, de organizarmos grupos de alunos que fizeram um peditório para comprar cravos e outras flores para ofereceremos às pessoas e comprar panos, tintas e pincéis para os cartazes e lembro-me ainda de, durante a noite anterior à manifestação, ter ido visitar o grupo que estavam a fazer os cartazes na casa do Sr. Oliveira na Estrada Nacional 310. Concluindo: o meu envolvimento decorreu naturalmente do meu envolvimento com os alunos do Liceu como professor de Religião e Moral.

Como decorreu no Largo da Feira (actual Esplanada 1.º de Maio) a organização do cortejo? Verificaram-se algumas dificuldades no sentido de determinar quem o deveria encabeçar?
Posso garantir que não foi muito consensual. Eu não estava bem posicionado para me aperceber do que se estava a passar, pois as minhas relações em Abrantes eram ainda diminutas: o Liceu, alguns círculos da Igreja, alguns grupos de jovens mais informais e um grupo de pessoas com quem conversava de política e outros temas na Biblioteca Municipal, normalmente após o fecho (Barata Gil, José Dinis, Manuel Dias e outros). Relativamente às discussões havidas sobre as personalidades que deviam encabeçar a manifestação apercebi-me da sua existência, pois houve algumas conversas prévias, ouvi logo na altura alguns comentários sobre o assunto e fiquei sem dúvidas após ter participado no jantar dessa noite no Vera Cruz. Julgo não andar muito longe da verdade ao considerar que o que estava em causa eram as personalidades mais do que os partidos. Nessa altura o único partido organizado era o partido comunista que trouxe uma forte representação do Tramagal e cuja bandeira apareceu a encabeçar a manifestação Além disso, havia um núcleo oposicionista ao regime cuja manifestação recente mais relevante fora a organização de um comício eleitoral no cinema de Alferrarede. Mas passados oito dias sobre 0 25 de Abril já muito se discutia o passado democrático/ oposicionista ao antigo regime ou o(s) compromisso(s) com a ditadura. Até esse dia eu estava praticamente fora desse jogo. A organização e participação dos alunos do Liceu não teve aqui qualquer tipo de interferência. Só me lembro de ir ter com os alunos dos cartazes e de lhes dizer para irem para a cabeça da manifestação, pois tive a sensação que muitos dos que nada havia feito queriam ganhar protagonismo.

A figura do Dr. Orlando Pereira parece assumir particular destaque de entre os líderes desta manifestação. De que forma perspectiva o percurso político desta personalidade?
Até essa data nunca havia falado pessoalmente com o Dr. Orlando Pereira. Só o conhecia por ouvir falar dele, sempre com muito respeito e através do seu filho e filha. Com o filho jogava xadrez e a filha ia às aulas de moral e era muito participativa, ainda que não estivesse matriculada. Posteriormente conheci-o bem, participei com ele nalgumas reuniões, inclusive em sua casa e sempre o considerei uma pessoa intelectualmente honesta nas discussões, com um verdadeiro sentido democrático e que buscava o consenso, sem transigir com os seus princípios. Naquele dia só posso garantir que ia na cabeça da manifestação e que discursou da janela da Câmara Municipal. O conhecimento posterior e as referências que ouvi acerca da sua pessoa mesmo vindas de simpatizantes do antigo regime não me deixam qualquer dúvida sobre a envergadura desta personalidade da oposição, sobre a enorme credibilidade e respeito que desfrutava. Portanto, relativamente às pessoas que encabeçaram a manifestação seria uma das poucas inquestionáveis.

Que aspectos desta manifestação lhe parecem dignos de maior destaque?
- A quantidade de pessoas. A adesão popular excedeu todas as expectativas; veio gente de todo o concelho e muitas das freguesias fizeram questão de manifestar a sua adesão ao regime nascente. 
- A espontaneidade e a dimensão de festa da manifestação, ainda que alguns mais receosos transitassem de esquina em esquina para ver passar a manifestação.
- A intensidade emocional de alguns discursos, sobretudo devido à ingenuidade, entusiasmo e euforia dos jovens (refiro-me especialmente ao do Jorge Lacão e J. Geirinhas Rocha).
- O facto de não existir nos discursos uma única referência negativa ao Presidente da Câmara cessante.

No 1.º de Maio de 74, várias figuras abrantinas jantaram no restaurante Vera Cruz. O que aconteceu e a que se destinava este encontro?
Tanto quanto sei havia o hábito de promoção de um jantar no Dia do Trabalhador. Quem me falou nisso pela primeira vez foi o Sr. Manuel Dias ainda antes do 25 de Abril numa das conversas na biblioteca. Na altura ter-me-á convidado a participar e indicou alguns dos participantes, mas eu não conhecia quase ninguém. Portanto, presumo que o jantar que refiro foi uma actividade que nesse ano foi alargada a muitos outros participantes. O encontro provocou algum mal-estar já patente nos discursos da varanda do município. Sei que os jovens me convidaram para discursar, mas eu recusei. Por outro lado, creio que nos bastidores os jovens furaram um pouco o esquema, presumo que a responsabilidade maior coube ao Jorge Lacão, ao convidar o Dr. Eurico Consciência a discursar. Além disso, é preciso ter em conta que as relações pessoais de muitos dos intervenientes se cruzavam por motivos variados: profissionais, políticas, de convívio, de promoção de actividades culturais, etc. Para complicar mais a análise destes acontecimentos despontavam já, obviamente, os futuros jogos de poder e marcavam presença algumas mentalidades verdadeiramente sectárias, a que me pareceu mais marcante foi a esposa do Dr. Orlando Pereira. Eram patentes as marcas da prisão e de uma mentalidade profundamente ortodoxa e de desconfiança de tudo o que não era controlado por «nós».
Participei nesse jantar porque o Jorge Lacão e o Geirinhas Rocha me pressionaram para ir. Conhecia poucos dos presentes. Dos alunos do Liceu só esteve presente o Geirinhas, pois o Jorge Lacão já estava em Coimbra. (E provável que houvesse mais algum aluno uma vez que alguém se prontificou a pagar alguns jantares por intermédio do Jorge, presumo que o Dr. Eurico Consciência). Conhecia um ou outro professor e as pessoas com quem falava na biblioteca. Logo de início verifiquei que a distribuição dos lugares suscitou alguns problemas. Mas foi durante os discursos que me apercebi que havia muitos «recados e indirectas» que não compreendia. Mesmo não sabendo quem eram os destinatários havia insinuações sobre os recém-chegados aos ideais democráticos, aos comprometidos com a ditadura, aos vira-casacas, etc. Por sugestão do Sr. José Dinis fiz uma intervenção, mas as minhas palavras estavam perfeitamente deslocadas em relação às dos principais oradores. Tentei defender que em democracia não havia inimigos, mas só adversários políticos e que como seres racionais as nossas ideias, ideologias e opções políticas deveriam ser suportadas por argumentos.
Um discurso que me ficou na retina, não tanto pelo seu conteúdo (a experiência das cargas policiais e as perseguições), mas pela tonalidade afectiva e dramática, foi a do Sr. António José M. Oliveira Mendes.

Volvidos 30 anos, que leitura faz dos sentimentos que o invadiam na Primavera de 1974?
Apesar dos excessos, dos exageros, das injustiças e das esperanças não cumpridas, valeu a pena. O saldo é francamente positivo. Admiro verdadeiramente a capacidade do povo português por ter ultrapassado tão rapidamente as sequelas, para muitos bem dolorosas, da descolonização e a integração dos portugueses vindos das ex-colónias e ter sido capaz de evitar a guerra civil. O Portugal de hoje não pode ser só comparado com os outros países da Europa e os países mais desenvolvidos, pois tem também de ser comparado com o país de há 30 anos, de antes do 25 de Abril. Olhar para o acesso à educação dos jovens de Abrantes e concelhos limítrofes nesse tempo e hoje é um bom exercício. Sobretudo capaz de deixar sem fala certos Velhos do Restelo.. 

  

José Martinho Gaspar (Texto)*

Fernando Correia (Fotografias)**

* Mestre em História Contemporânea. membro do CEHLA.

** O autor das fotografias que ilustram o presente artigo e entrevistas subsequentes, Fernando Matos Correia, depositou-as no Arquivo Histórico Municipal Eduardo Campos. em Janeiro de 2000.

 

Artigo publicado na revista Zahara nº4 - dezembro 2004