POR TERESA APARÍCIO
Abrantes foi elevada à categoria de cidade em 14 de junho de 1916, mas pouca gente sabe que, dois meses antes, em 23 de abril do mesmo ano, teve lugar a primeira audição de um Poema Sinfónico, inspirado precisamente na Lenda de Abrantes, de que já se ocuparam, também, os dois números anteriores da nossa revista.
Esta peça musical é da autoria de Guilherme Joaquim Boto da Piedade, maestro do Regimento de Infantaria 31, então aquartelado em Abrantes e a cujo trabalho os jornais da época tecem os maiores elogios:
“A partitura é bela, moldada num estilo elevado, em que o seu autor bem revela os vastos recursos técnicos que possui, conseguindo efeitos novos, com o emprego de excecionais combinações harmónicas que perfeitamente definem os diversos episódios da lenda, deliciando-nos o ouvido com deliciosas progressões, marchas e imitações, tudo trabalhado com mão de mestre e surpreendentes efeitos.”
Jornal de Abrantes de 14-5-1916
O pequeno “libretto” escrito pelo Dr. Solano de Abreu, baseou-se na lenda escrita, que saibamos em primeira mão, pelo bispo Frei João da Piedade, falecido em Abrantes em 1628 e mais tarde transcrita por Manuel António Morato na “Memória Histórica da Notável Vila de Abrantes”.
Este Poema Sinfónico, o primeiro escrito pelo seu autor, é composto por quatro quadros:
1. °- Os amores de Zahara e Samuel
2. °- A tomada do Castelo aos Mouros por D. Afonso Henriques
3. °- O cavaleiro Machado salva Zahara por quem se apaixona
4. °- Os ciúmes e loucura de Samuel
A banda do Regimento de Infantaria 31 tocava aos domingos, quando o tempo o permitia, entre as catorze e as dezasseis horas, no Passeio 14 de Maio de 1915, hoje Jardim do Castelo, onde ainda podemos ver o coreto. Entre 23 de Abril e 14 de julho, o seu programa integrou esta peça em todos os concertos ali realizados, sendo, ao que parece, muito apreciada pelo público.
A passagem por Abrantes deve ter marcado de algum modo a vida de Guilherme da Piedade, pois passados trinta e dois anos, em 1948, então já como capitão aposentado, resolveu vir de Avis, onde residia, até Abrantes, entregar à Câmara Municipal a partitura do seu primeiro Poema Sinfónico. O ano não foi escolhido ao acaso: comemorava-se então o oitavo centenário da conquista de Abrantes aos Mouros, evento marcante no enredo da lenda que esteve na base do seu trabalho.
Hoje, esta peça musical integra o espólio do Dr. Solano de Abreu e encontra-se no Arquivo Municipal de Abrantes. Seria interessante que algum dos nossos músicos se propusesse tirá-la do esquecimento a que há muitos anos se encontra votada e dar-lhe vida novamente, para que os abrantinos de hoje a pudessem conhecer e apreciar.
NOTA
Estas informações foram retiradas do Jornal de Abrantes - anos de 1916 e 1948.
In: APARÍCIO, Teresa – Ainda a lenda de Abrantes…agora em música. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 5 Nº 9 (2007), p. 55-56