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Por Joaquim Candeias da Silva - Doutor em Letras (História), da Academia Portuguesa da História e do CEHLA

Neste ano de 2015, um pouco por todo o país e sobretudo em meios académicos, tem vindo a ser lembrado o sucedido há 600 anos (completam-se agora quando esta revista sai a público): - o lançamento de uma empresa nacional de grande impacto e do maior alcance a vários níveis, a primeira conquista portuguesa Além-mar, a qual viria a ser determinante para a extraordinária epopeia que foi a Expansão lusa. E a Abrantes-vila daquele tempo, que então ainda senhoreava um vasto território (incluindo Constância, Sardoal e em parte também Mação), apesar da sua posição de interioridade, desempenhou um papel que não pode ser menosprezado nem esquecido.

A largada geral da expedição, de Lisboa e foz do Tejo em direção ao Norte de África, foi aprazada para o dia 25 de Julho de 1415; mas a preparação começou algum tempo antes e em muitas outras partes do reino, pelo menos desde o ano anterior a partir de uma reunião do conselho régio em Torres Vedras, na qual foi discutido o assunto e em que terá ficado decidida a tomada daquela cidade magrebina junto ao estreito de Gibraltar, chave do Mediterrâneo e do Norte de África. Procurou- -se, no entanto, seguir uma estratégia do maior sigilo possível, com vista à obtenção de um efeito surpresa. Certo é que no início de 1415 já havia indícios de alguma movimentação, incluindo-se nesse afã também a área abrantina.

Sabemos, por exemplo, que o rei (D. João I) ordenou então a cunhagem de mais moeda, tendo para o efeito solicitado previamente a contribuição das igrejas. A soma conseguida da clerezia de Abrantes em objetos de prata foi de 4, 610 quilos, contando-se entre os maiores contribuintes os priores e igrejas de Punhete (atual Constância), de S. João Baptista, de Alcaravela e do Sardoal1. Porém, muito mais importante que isso, foram os preparativos que sorrateiramente se fizeram no limite do território abrantino, ao largo da foz do Zêzere, e que não passaram despercebidos a um espião castelhano, o qual a 23 de Abril dava conta ao seu rei das manobras que ali se faziam com vista à grande armada. Escrevia ele:

«El prior et los maestres [das Ordens

Militares - de Avis, de Cristo e do Hospital]

mandan hacer senas galeotas de sessenta

remos cada huma (salvo el maestre de

Santyago). Et hacen-las en el rio Sesar

[Zézere], que es cerca de Punete2

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Conquista de Ceuta (reconstituição)

O embarque dar-se-ia três meses depois, naquele quente 25 de julho (dia litúrgico de Santiago, seis dias após o falecimento da rainha D. Filipa de Lencastre), parece que ainda sem ser revelado o objetivo da missão. Discrepam os autores quanto ao número de navios e de homens de armas, havendo quem aponte 212 navios de transporte e vasos de guerra (59 galés, 33 naus e 120 embarcações pequenas) e perto de 20 000 homens (cavaleiros e soldados). Mas o que se pode afirmar com segurança é que a expedição integrava mais de uma centena de embarcações e mais de dez mil combatentes, na sua esmagadora maioria portugueses. O comando geral era do próprio monarca, que se fazia acompanhar dos infantes D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique, bem como ainda do Condestável D. Nuno Álvares Pereira.

Seguiam na armada homens e barcos abrantinos?

Seguramente que sim. Quanto a pessoas, é sabido que iam na expedição muitos cavaleiros, gente fidalga de todo o reino, inclusive de Abrantes, de que é forçoso destacar o jovem Diogo Fernandes de Almeida, filho legitimado do alcaide-mor de Abrantes, Fernão Álvares de Almeida. Este fidalgo, pai do jovem Diogo, fora vedor de D. João I e aio dos ditos infantes. Não temos notícia concreta da sua participação na conquista, mas é muito provável que acompanhasse não só o rei e infantes (a quem servira durante tantos anos), como também o filho, e até levasse no seu séquito alguns dos seus leais servidores. Quanto a embarcações, lembremos a preparação das galeotas de 60 remos junto a Constância...

Foi a 21 de agosto que os botes do Infante D. Henrique - o maior entusiasta da empresa ceptense - começaram o desembarque. Os mouros, colhidos de surpresa, não opuseram grande resistência, acabando a conquista por se consumar e tornar definitiva na manhã do outro dia. Seguir-se-ia o saque e a cerimónia de armação de novos cavaleiros, na mesquita da cidade, entre os quais o referido Diogo Fernandes de Almeida. Aliás, a propósito deste fidalgo, é de sublinhar que, pouco depois (provavelmente já em 1416), ele era pai de uma outra grande figura da Expansão Portuguesa e da História Local, D. Lopo de Almeida, que viria a ser o 1º conde de Abrantes.

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Capela-mor de Santa Mana do Castelo, vendo-se a direita o tumulo de Diogo Fernandes de Almeida, que participou na conquista de Ceuta, e, a esquerda, a de seu filho, D Lopo.

E, ainda relativamente a Diogo Fernandes de Almeida, há a registar que seria ele posteriormente o sucessor na Casa de Abrantes (por morte de seu pai), vedor da fazenda real e do conselho dos reis D. Duarte e D. Afonso V. Seria também ele quem, «por sua devoção e ornamento», mandou reedificar a igreja de Santa Maria do Castelo, onde acabaria por ficar sepultado. E aqui temos como, de algum modo, Abrantes, há 600 anos, contribuiu para o sucesso de Ceuta e para o início da Expansão Portuguesa Além-mar, mesmo descontando que as expectativas iniciais nem sempre se tenham traduzido em sucessos futuros, pois, como é sabido, Ceuta também viria a ser culpada de ser «um grande sorvedouro de gente e dinheiro»...

Hoje, como é sabido, Ceuta já não é portuguesa; foi perdida para Espanha, em 1641, pois a administração da cidade, não reconheceu o Duque de Bragança como rei de Portugal, na sequência da Restauração, ficando desde então sob domínio espanhol. No entanto, ela mantém ainda algumas características bem portuguesas, tanto em construções militares como na bandeira, pois ostenta ao centro o escudo português e manifesta mesmo alguma semelhança com a de Lisboa. De 1 a 3 de outubro próximo vai realizar-se lá o Congresso Internacional “As origens da expansão europeia: Ceuta, 1415”, do qual se prevê venha a ser muito participado (Cf. http://www.coec2015.org/).

Para mais informação sobre esta efeméride, existe muita e boa bibliografia, desde a clássica Crónica da tomada de Ceuta por el-rei D. João I, de Gomes Eanes de Zurara (escrita por volta de 1450), até às recentíssimas obras de historiadores como Luís Miguel Duarte e Paulo Drumond Braga, Ceuta, 1415 - Seiscentos anos depois (Livros Horizonte) e Uma lança em África - História da conquista de Ceuta (Esfera dos Livros), respetivamente, ambas já de 2015.

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Armas de Diogo Fernandes de Almeida, no seu túmulo de Sta. Maria do Castelo (Brasão + empresa). A empresa parece ser um apetrecho de guerra explodindo e não deverá ser dissociada dos "explosivos" pintados a fresco, que se repetem nos indutos parietais. E, daí, a relação com Ceuta será inevitável...

Relacionável com Ceuta poderá ser também a figura de S. Tiago, que igualmente nos aparece num fresco, pois foi no dia desse padroeiro que a grande e vitoriosa expedição partiu.

1 Os valores parciais e os contribuintes individuais vêm referidos numa carta de quitação existente no Arquivo Histórico de Abrantes, datada de 26 3 1415.

2 Cf Monumenta Henncina,\io\ II, doc 57, por mim pub0 in Abrantes na Expansão Ultramarina (1415- -1578), Abrantes 1992, p 20

IN: SILVA, Joaquim Candeias da – Abrantes e a conquista de Ceuta no sexto centenário da primeira lança portuguesa em áfrica (1415-2015). Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 13. Nº 25 (2015), p. 35-38