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Foi, efetivamente, uma figura cimeira do seu tempo em Abrantes e seu concelho, tanto nos incipientes domínios da investigação histórica e arqueológica, como também da museologia, da defesa e inventariação do património, do jornalismo e das letras em geral. Conquanto nem sempre tenha sido uma figura consensual e isenta de críticas em tudo o que fez - até porque nenhum humano se pode arrogar da perfeição total -, não podem restar dúvidas de que, para a sua formação de autodidata e para a época em que viveu, era uma pessoa altamente respeitada e tida em grande consideração no meio citadino. Infelizmente já não o conheci, mas tive o privilégio de conhecer bastante bem dois dos seus filhos (de quem me considerava amigo), de ter sido visita convidada da sua casa (onde me foi dada a oportunidade de folhear alguns dos seus cadernos de arquivo), e até de ter sido um dos seus sucedâneos na direção do Museu D. Lopo.

Filho do honrado comerciante João da Silva Oleiro Júnior e de D. Esperança da Conceição Oleiro, governante de sua casa, nasceu em Abrantes, na rua de Santo Amaro (hoje integrada na Marquês de Pombal, freguesia de S. Vicente), no dia 18 de Abril de 1887, e foi batizado a 4 de Junho do mesmo ano, tendo por padrinho João da Silva Oleiro, também comerciante (avô do neófito), e por madrinha D. Maria José da Silva Oleiro, solteira. Vinha a ser neto paterno do dito João da Silva Oleiro e de D. Maria José Lobinho Oleiro e materno de Diogo Alves Lobinho e de D. Josefa Luísa Motta. Era já uma família conceituada, a avaliar pelos apelidos. Um seu tio, António da Silva Oleiro (1850-1884), que era casado com D. Maria José Apolinário Ferreira da Silva, fora médico municipal em Torres Novas.

Feitos os estudos secundários em Lisboa, regressou à terra natal, onde se iniciou na vida ativa e começou a integrar-se em coletividades sociais. Assim, em 1909 surgia já eleito presidente da direção da Sociedade João de Deus e presidente da Comissão Auxiliar de Propaganda do Montepio. Em outubro de 1910, vibrou com a instauração da República (no que seguia a tendência ideológica paterna) e colaborou em diversas manifestações públicas, revelando nisso uma adesão plena ao ideário republicano. Ainda nesse mês torna-se correspondente de A Lucta (diário dirigido por Brito Camacho) e logo a seguir integra a Comissão de Propaganda local. Por algum tempo foi também escrivão-ajudante do 1° ofício da comarca da Sertã (até meados de 1911); depois, oficial das cortiças em Abrantes, cargo de que se demitiu em Outubro de 1914, para exercer o de “escrivão de direito da comarca”.

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A casa onde nasceu e viveu Diogo Oleiro, na Rua Marquês de Pombal. Notar nela, ao centro, um painel de azulejos, com a representação de S. João (um nome recorrente na sua família - avô, pai e filho).

Mas já então se vinha revelando um estudioso e apaixonado pela História Local, com muita sensibilidade e apetência para as áreas do Património e da Arqueologia. A 13.7.1916, aquando da visita do Doutor José Leite de Vasconcelos a Abrantes (então acabada de elevar à categoria de cidade), é ele que vai à estação CF receber o eminente Professor e Museólogo (fundador do atual Museu Nacional de Arqueologia), acompanhando-o depois por todo o concelho, inclusive a umas escavações que Oleiro vinha fazendo na estação romana de Alcolobra (Herdade do Carvalhal), perto do Tramagal. Terá sido por esses tempos que passou a presidir à Comissão de Salvação de Monumentos Antigos de Abrantes.

As notícias desse ano apresentam-no já como “solicitador”, mas também e sobretudo como “amador das cousas antigas da sua terra”. «Dos factos locais é arquivista / Compilando e anotando com fervor/.../Pia mais tarde d Abrantes ser cronista». E, de facto, ele estava já muito vocacionado para esse tipo de atividade, pois era pessoa de pensamento e ação ligada aos “papéis” e a “materiais”: sua leitura, decifração, conservação e divulgação, através da escrita. E foi assim que se tornou um pioneiro da investigação histórico-arqueológica, fundador e 1° diretor/ conservador do Museu Regional D. Lopo de Almeida, cargo este que exerceria durante mais de 41 anos (foi nomeado por um decreto de 19.4.1922 e tomou posse a 11 de maio seguinte). Era o 2° Museu oficial a ser criado no Distrito, logo a seguir ao da capital (Santarém), e um dos poucos da I República.

Não tinha, é certo, uma preparação específica em Museologia ou Arqueologia, mas na altura quem é que por aqui ou mesmo no país a tinha? E quem é que até esse ano mais havido trabalhado em prol do Museu e melhor justificava a nomeação? Foi, pois, uma escolha acertada e consensual, nesse projeto embarcando com muito entusiasmo, esforço, intuição, dedicação e bastante profissionalismo. O seu vencimento inicial, aprovado na Comissão Executiva da Câmara Municipal de Abrantes a 23 de outubro de 1922 (com os votos desfavoráveis do vereador Valente Júnior), era de 800$00, para a época já um razoável ordenado... Mas em face da lei vigente ele poderia ser equiparado a chefe de repartição ou de secretaria, e por isso reclamou logo em 1923 um aumento, o que lhe foi negado.

O Museu abriu ao público nesse ano de 1923, de Segunda a Domingo, com horário de Verão (10.30-17h) e Inverno (11.30-16h), com encerramento às Quintas, fechando aos domingos um pouco mais cedo. A maior parte das coleções iniciais eram de carácter artístico-religioso, mas integrava também algum espólio arqueológico que era fruto de escavações ou recolhas do diretor. Em 1926 foi encarregado pela CMA de formar uma comissão de revisão da toponímia da cidade, o que também aceitou. E, pelo tempo fora, muitas outras comissões e encargos foi recebendo: desde vogal da Comissão de Arte e Arqueologia a delegado concelhio da Junta Nacional de Educação. Consulte-se, para o efeito, Maria Armanda P S. Charneca, uma rede de Museus para Abrantes: Museu D. Lopo de Almeida - Passado, Presente e Futuro, dissertação de Mestrado em Museologia e Museografia apresentada à Faculdade de Belas Artes (Lisboa), 2005, vol. 1, bem como um meu artigo pub.” no Jornal de Abrantes de 18.6.2004.

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Diogo Oleiro deixou inúmeros trabalhos publicados na imprensa local, mormente no Jornal de Abrantes, que era propriedade da família Moura Neves e do qual foi redator e editor por muitos anos. Foi também de sua principal responsabilidade uma obra coletiva intitulada Abrantes Cidade Florida, edição do Grémio da Lavoura (1952), onde ele publicou diversos artigos (pp. 5 a 106) e que por muito tempo serviu de monografia do Concelho quase exclusiva. Finar-se-ia numa data memorável - exatamente no dia de Natal de 1962 - deixando por muito tempo um rastro de lembrança. A cidade vestiu-se de luto e a grande maioria dos abrantinos soube reconhecer o quanto ficou a dever-lhe, conforme lembra a primeira página do referido Jornal de Abrantes no último número desse ano faqui em Anexo], pois era aí que tinha os seus maiores amigos, sendo no entanto de registar a ausência total de referências no outro semanário concorrente, o Correio de Abrantes, que era de fação contrária...

Transcrevemos daquele alguns dos parágrafos, em sua homenagem:

«Diogo Oleiro foi um Abrantino, que

marcou na vida Abrantina um traço

pessoal, inconfundível e por isso

inigualável; igual a si mesmo, nos

atos familiares, nos atos públicos,

sem violências ou manifestações

irritantes, sabia, por ser assim a sua

maneira de ser, marcar inexoravelmente

as suas atitudes, com firmeza

silenciosa, mas própria da sua

personalidade; foi um carácter.

(...) apenas uma referência à sua

atividade cultural mais querida e

mais vivida, ou seja, o Museu Regional

D. Lopo de Almeida: Abrantes fica a

dever a Diogo Oleiro uma realidade

cultural, exclusivo, paciente e

exaustivo trabalho, que só a

persistência, o tenaz estudo, a

investigação infatigável e insaciável de

Diogo Oleiro, homem de indomável

vontade era capaz de idealizar e

realizar, dotando assim Abrantes, a sua

querida Abrantes, como uma dádiva

artística e cultural que fica a

emoldurar esta cidade que Diogo

Oleiro sempre desejou tão florida,

como bela, atraente e sedutora.

(...) Non omnis moriar - foi o

pensamento que escolheu para o seu

ex-libris. Nele está a explicação de toda

a sua vida: «Não morrerei de todo.

Parte da minha obra háde sobreviver-

-me!». Diogo Oleiro seguiu fielmente

esta norma de vida (...)».

Do seu casamento com D. Carolina Bairrão de Oliveira, houve três filhos: - Maria Justina Bairrão da Silva Oleiro (n. Abrantes, 1915 - m. Abrantes, 2006), professora, sem geração; Florinda Maria Bairrão da Silva Oleiro (Abrantes, 1917- Covilhã, 2003), que casou com o Dr. Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada, de quem houve 7 filhos, com geração; - e João Manuel Bairrão de Oliveira da Silva Oleiro (Abrantes, 1923 - Lisboa, 2000), que casou com D. Maria Helena Seixas Nogueira de Lemos, de quem houve 5 filhos, com geração [Foi distinto arqueólogo, museólogo e historiador, com vasta obra publicada; foi ele o 2° Diretor do Museu D. Lopo de Almeida, cargo que exerceu na sucessão de seu pai (1963-1979), a título gracioso]. Um dos seus muitos netos, filho do Dr. João Manuel, é Manuel de Lemos Bairrão Oleiro (n. Abrantes, 1953), agora diretor do Departamento de Museus, Conservação e Credenciação, na nova Direção Geral do Património Cultural (sucessora do IGESPAR).

Além das funções que ficam referidas, Diogo Oleiro foi também administrador do concelho, membro da mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, membro das direções da Sopa dos Pobres, do Montepio, da Assembleia de Abrantes, tendo ainda deixado marcas em diversos outros organismos. Tem o seu nome numa placa toponímica da cidade.

ANEXO 1

Ao senhor Diogo da Silva Oleiro

Escrivão do Juízo de Direito

XXXV

Dengoso, perna ao lado e pasta ao braço,

Ve-lo-eis do cartorio vir p’ra a rua,

Posição qu'inventou por arte sua,

Aliaz sem reclame ou 'stardalhaço.

E posso 'inda afirmar, sem embaraço,

Muito embora a verdade seja crua,

Que tal qual se combate á espada nua

Esgrime ele co’a lingua a cada passo.

Ás notas e ao registo tem amor,

Pois dos factos locais é arquivista

Compilando e anotando com fervor...

Tem até Livro Negro onde regista

Os casos feios, tétricos d’horror,

P'ra mais tarde d’Abrantes ser cronista.

O Povo de Abrantes, 16-VM916.

O perfil de Diogo Oleiro, traçado por Justo da Paixão em 1916 (nos seus Perfis), quando o "perfilado" começava a despontar para a História Local

 

ANEXO 2

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O seu encomiástico perfil, de anónima autoria, no livro Abrantes Cidade Florida [1952]

 

ANEXO 3

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Jornal de Abrantes, de 30 de dezembro de 1962, aquando da morte de Diogo Oleiro

 

IN: SILVA, Joaquim Candeias da – No Cinquentenário da Sua Morte Diogo Armando da Silva Oleiro - Um pioneiro da investigação histórica e arqueológica em Abrantes. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 10. Nº 20 (2012), p. 58-63