duarte castel branco

Por Joaquim Candeias da Silva

Todos, por estas bandas, o conhecíamos por O SENHOR ARQUITECTO.

E era na verdade um grande Senhor. E um grande Arquiteto. E Professor. Mas foi, indubitavelmente, muito mais que isso.

Duarte de Castro Ataíde Castel-Branco nasceu a 25 de Julho de 1927, em Macau, embora oriundo de famílias bem portuguesas e de largos pergaminhos na História de Portugal, pois era filho da abrantina D. Maria Cristina Gamboa Liz Russell de Castro Ataíde (por este costado familiar e herdeiro do visconde de Abrançalha e descendente de muita gente nobre que frequentemente andou na “governança” do concelho de Abrantes e de outras partes do reino) e de João Alberto de Villas-Boas Pimenta de Castro Castel-Branco (1901-1946), tenente-coronel do Estado-Maior do Exército, também com ascendentes ilustres. Casou em 1955 com D. Maria Margarida Tamagnini da Fonseca (1931-2013), professora do Ensino Secundário, artista e escritora.

Inicialmente mais vocacionado para outras áreas de especialização, como a engenharia, chega à Arquitetura por casualidade. E foi assim que, concluídos os estudos liceais (Liceu Camões, 1945), acabou por se inscrever na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (ESBAL), se bem que por pouco tempo, por a dado momento preferir uma experiência no Conservatório, onde fez dois anos de piano.

Regressa, entretanto, ao curso de arquitetura, mas desta feita nas Belas-Artes do Porto (ESBAP). É aí que se forma em 1960, seguindo-se o CODA (Concurso para Obtenção do Diploma de Arquiteto), com um projeto muito inovador (o do Grémio da Lavoura de Abrantes), em que obtém a classificação máxima (20 valores). Completaria depois a sua formação em Milão e Paris, com estudos na área do urbanismo e do planeamento urbano.

Chega então a altura de dar vazão à sua veia artística, aos seus indiscutíveis méritos nas matérias em que se especializara e que por cá constituíam autêntico pioneirismo, construindo assim, aos poucos mas com grande solidez, um vasto, notável e invejável currículo, primeiro como professor e investigador na ESBAP, depois também na ESBAL / Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa, onde veio a fixar-se e exercer como catedrático. Enquanto isso, ia realizando, em equipa ou individualmente, trabalhos da sua especialidade, sobretudo planos urbanísticos, sendo de realçar os seguintes:

  • “Plano Diretor de Lisboa” (1964);
  • “Anteplano de Urbanização do Rossio ao Sul do Tejo” (Abrantes, com o Arq.° Fernando Távora, 1964);
  • “Anteplano Territorial de Ordenação Urbanística do Norte Ribatejo” (ultimado em 1967 e apresentado em maio desse ano no Colóquio sobre Desenvolvimento Regional, promovido pela Câmara Municipal de Abrantes;
  • “Plano Parcial de Urbanização da Unidade Residencial de La Salle-Fontinha” (Abrantes, 1973);
  • “Plano Diretor da Unidade Territorial de Barreiras do Tejo” (Abrantes, 1974);
  • “Plano da Área Territorial de Torres Novas / / Tomar / Abrantes”, promovido pela DGPU (reportado a outubro de 1980);
  • “Plano Geral de Urbanização - Concelho de Abrantes” (Estudo, com o Arq.° Viana de Lima, 1980);
  • “Plano Geral de Urbanização / Plano Diretor Municipal do Porto” (adjudicado em 1978 e aprovado por unanimidade em 1993);
  • Plano Diretor e Planos Estratégico e de Urbanização da Grande Covilhã (década de 90); - e ainda o “Plano Intermunicipal de Ordenamento da Ria de Aveiro”.

Como se pode verificar, embora com um raio de ação bastante alargado e a envolver algumas das principais cidades do país, regista-se uma forte incidência na área da sua predileção, centrada na sua cidade do coração. Poderá perguntar-se, eventualmente, porque não foi ele a realizar o “Plano Diretor Municipal de Abrantes”. Na verdade, também concorreu, e com uma vasta equipa (para a qual me convidou a prestar colaboração na área da História); mas foi ultrapassado por uma empresa concorrente, a EGF (Empresa Geral de Fomento).

Aliás, Abrantes, que lhe estava nas entranhas, nunca deixaria de estar presente no seu espírito e na sua capacidade de trabalho, que era absolutamente invulgar. E na paisagem desta cidade imprimiria fortes marcas: ao seu génio criador se devem projetos de grande originalidade, como o do já referido Grémio da Lavoura; o monumento a D. Nuno Álvares Pereira, no Outeiro de S. Pedro, com os acessos na difícil encosta dos Quinchosos; e o restauro de parte do Convento de S. Domingos, para a instalação da atual Biblioteca Municipal António Botto. Isto para além de algumas moradias particulares, onde também deixou bem espelhada a sua inesgotável veia para a criação arquitetural...

  • E não se pense que foi apenas do ensino da arquitetura, da elaboração de planos e da construção de edifícios que ele se ocupou. Não. Foi vogal do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes (1972); foi presidente do Centro de Estudos de Urbanismo e Habitação “Engenheiro Duarte Pacheco” (1975); devem-se-lhe as “Bases da Legislação Orgânica do Urbanismo em Portugal” (1972) e o impulso para a criação da Sociedade Portuguesa de Urbanistas, antecessora da atual Associação de Urbanistas Portugueses, sob a égide do Prof. Costa Lobo (1983). Mais. Para o Porto, projetou também uma ponte a ligar as duas margens do Douro, que designou por “Ponte de S. Francisco”, um projeto muito original que se gorou mas que ele abraçou com enorme entusiasmo (eu diria que era a menina dos seus olhos - e isto afirmo porque mo explicou e lho vi apresentar em diversos lugares e para públicos diversificados).

E também fez exposições (no Porto, em Abrantes e noutros sítios); e criou eventos; e interveio ativamente na sua “polis”, na vida cultural da sua cidade ou das cidades onde trabalhou. Em 1980, por exemplo, aderiu desde a primeira hora ao projeto “ADEPRA” (Associação para a Defesa e Estudo do Património da Região de Abrantes), juntamente com sua esposa e outros amigos, levados pela consagrada pintora D. Lucília Moita, e mesmo depois da crise associativa que a atingiu ainda tentou reanimá-la. Destacada ação teve ele também na instalação e funcionamento do ensino superior local, no polo abrantino da Universidade Internacional, de que foi Pró-reitor, funções que tive o privilégio de acompanhar ao longo de vários anos como seu Adjunto (de 1993 até 2000). E poderíamos recordar ainda o generoso ato de doação ao município de Abrantes, em 2007, da coleção documental de muitos dos seus trabalhos, que ficaram à guarda do Arquivo Histórico Municipal. E as distinções honoríficas que recebeu em vida, designadamente da Câmara Municipal de Abrantes (medalha de honra de Mérito Municipal); etc., etc...

Muito fica por dizer acerca desta figura incontornável de abrantino, Homem (com H grande) e vulto enorme da Cultura, que recentemente nos deixou e que marcou indelevelmente a história de Abrantes. Era um artista, no pleno sentido do termo, um humanista, também um excelente melómano (da última vez que o visitei em vida ficou a ouvir Vivaldi e, salvo erro, Chopin). E jamais esqueceremos o seu fino trato e (seria indesculpável não referir) ... o seu proverbial sentido de humor, que uma das suas características dominantes adentro do seu porte “aristocrático” (isto igualmente no melhor sentido do termo). Era um perfeito gentleman... E, em suma, não tenho a menor dúvida de que contribuiu com a sua inteligência e o seu saber para uma Abrantes melhor. Creio até não exagerar se disser que deixou em cada abrantino um amigo e que dele vamos ter todos muita saudade.

  • Faleceu na sua casa da Quinta da Ónia (ou Aónia), no Rossio ao Sul do Tejo, no primeiro domingo deste ano, dia 4 de janeiro 2015, aos 86 anos, indo os seus restos mortais repousar em Lisboa (num jazigo de família do cemitério dos Prazeres), no Dia de Reis (ele que também tinha ascendência régia, conquanto remota). Deixou quatro filhos, 10 netos e 6 bisnetos.

IN: SILVA, Joaquim Candeias da Silva – Professor Arquiteto Duarte Castel-Branco (1927-2015). Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 13. Nº 25 (2015), p. 86-87