
Torre Hertziana, ao fundo, ainda em fase de construção.
(Espólio Fotográfico, Vistas Gerais e Panorâmicas 11 caixa, AMEC -Arquivo Municipal Eduardo Campos
Luís Manuel Pombo - Coordenador - Serviço de Cultura do Município de Abrantes.
Visível a mais de 20 km de distância, obra de arquitetura e monumento que constitui uma referência da cidade de Abrantes, a torre hertziana começou a desenhar-se em agosto de 1965, quando se iniciaram os primeiros contactos entre a Administração Geral dos CTT e a Câmara Municipal de Abrantes, através da Direção dos Serviços Radioelétricos daquela entidade. Tais diligências propunham-se abordar o “estudo de construção da torre” então designada “Feixe Hertziano Torres Novas - Portalegre”, onde se equacionava a possibilidade de implementação em dois espaços próximos daquele que viria a ser o local definitivo.
Foi em outubro desse ano de 1965 que a Direção dos Serviços Radioelétricos oficializou a intenção de construção de uma rede de feixes hertzianos para a Rede Telefónica Nacional - Estação Radioelétrica de Abrantes, equacionando-se a possibilidade de a mesma ser metálica ou em betão, com uma altura na ordem dos 50 metros, situada no então designado Campo da Feira, atual Jardim do Alto de Santo António.
A Câmara Municipal de Abrantes entendia que a construção da torre naquele local, devido à proximidade do edifício escolar que se equacionava ali construir e dos arruamentos de acesso ao Alto de Santo António, previstos no Anteplano de Urbanização, poderia provocar constrangimentos futuros. Acrescentava ainda como argumento para a decisão da não aceitação da edificação naquele local, que o miradouro existente naquela zona seria prejudicado pela nova estrutura. Perante isto, sugeria a Câmara que a instalação ocorresse a poente da Escola Industrial e Comercial de Abrantes, a 60 metros do seu limite e com acesso a partir do arruamento de ligação ao Colégio La Salle.
Reunidas as condições, os CTT adquiriram o terreno onde viria a ser instalada a torre, não levantando a Câmara Municipal qualquer objeção. A Comissão Municipal de Arte e Arqueologia emitiu um parecer, relativamente à sua posição, onde se “[...] defende a abertura a toda e qualquer solução arquitetónica caracteristicamente contemporânea, quer por aspetos funcionais, quer pelo valor estético”. Considerou nos seus argumentos que “[...] a Torre Hertziana de Abrantes é elemento de maior interesse e de projeção nacional [...]”; acrescentou ainda que “[...] a paisagem envolvente da cidade bem como a sua silhueta e valor urbano são elementos que não podem deixar de ser considerados na elaboração do projeto que servirá à execução de um tão importante empreendimento”.

Em cima: Dois dos locais propostos para localização da torre.
Em baixo: Local definitivo de construção.
(Construção e Ampliação da Torre Hertziana - Alto de Santo António, Abrantes, 1965-1982 |1 caixa, AMEC)
A Direção dos Serviços Radioelétricos submeteu para apreciação esboços de duas torres, uma de perfil cónico e outra de perfil cilíndrico, mas dispondo de contrafortes para Lhe proporcionar um aspeto cónico. Surgiu, entretanto, mais um atraso no processo de implementação e construção da torre, uma vez que o terreno que os CTT se propunham adquirir não mereceu a aprovação da Câmara Municipal, pois tratava-se de um espaço reservado para a construção do Agrupamento do Bairro de Casas Económicas. Finalmente, foi decidido o Local definitivo, com as seguintes referências construtivas: um fuste de cerca de 40 metros de altura; uma sala de manutenção com uma área útil de 30 m2; duas plataformas de antenas.com um diâmetro mínimo de 7 metros, distanciadas na ordem dos 7 metros; duas salas de aparelhagem, situadas por cima da sala de manutenção.
Aprovada em reunião de Câmara de 6 de outubro de 1967, ficou decidida a Localização da torre, com Ligeiras ressalvas ou recomendações emitidas pela Comissão Municipal de Arte e Arqueologia.
Volvidos quase três anos desde o propósito da construção, foi em janeiro de 1968 que o empreiteiro executou as sondagens necessárias à concretização do projeto, conferindo, desta forma, a vontade dos CTT de respeitar os compromissos de Ligação com Espanha, de que a Estação Radioelétrica de Abrantes faz parte. No começo de 1968 apontava-se como momento previsível para a entrada em funcionamento da estação o primeiro trimestre de 1969.
Desta fase, é merecedor de referência o embargo da obra, que ocorreu em setembro de 1968, efetuado pela Câmara Municipal de Abrantes, por insuficiência de documentos, nomeadamente do projeto arquitetónico.
Data exatamente de 1968 um parecer da Comissão Municipal de Arte e Arqueologia com algumas sugestões interessantes, nomeadamente a possibilidade de uma eventual utilização dos patamares da torre como belvedere e restaurante [...]”, tendo sido ainda recomendada a apreciação desta construção à Direção-Geral do Ensino Superior e das Belas Artes e a emissão de parecer à Junta Nacional da Educação.
O projeto da Torre Hertziana foi da autoria do Arquiteto José Pedro Martins Barata. Nascido em 1929, José Pedro Roque Gameiro Martins Barata formou-se em Arquitetura pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, desenvolveu atividade nos domínios da arquitetura, da ilustração e do planeamento. Em 1954, colaborou na organização do Centro de Estudos de Urbanismo e Habitação Engenheiro Duarte Pacheco. Entre 1955 e 1961, trabalhou numa pequena oficina familiar de artes gráficas, dedicando-se à fotomecânica e à rotogravura e foi professor na Escola de António Arroio. Em 1969, aquando da construção da torre abrantina, havia sido designado consultor artístico dos CTT. Em 1972, integrou o Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação Nacional, onde organizou o Núcleo da Rede Escolar. Em 1973, integrou a Assessoria de Planeamento da recém-criada Universidade Nova de Lisboa. Em 1976, foi nomeado para a Comissão Instaladora da Universidade Nova de Lisboa.
No ano seguinte, tornou-se Diretor do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação e Investigação Científica. Lecionou no Instituto Superior Técnico, na Universidade Católica e na Universidade Técnica de Lisboa. A 30 de julho de 2018, foi agraciado com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Instrução Pública por parte do Presidente da República.

Desenho da base da torre por José Pedro Barata. (Construção e Ampliação da Torre Hertziana - Alto de Santo António, Abrantes, 1965-1982 11 caixa, AMEC)
Os trabalhos de construção ficaram a cargo da SOMEC - Sociedade Metropolitana de Construções, da AEG - Lusitana de Eletricidade e os acabamentos em pintura foram da responsabilidade da firma Abrantina Taborda & Velez. O início da edificação concretizou-se com a entrega da obra de construção à empresa SOMEC, a qual colocou uma grua em substituição de um guindaste, que serviu para iniciar os trabalhos de consolidação da base, para garantir a sustentabilidade da torre.com um pedestal com 10 metros de diâmetro e com uma profundidade de 7 metros.

Em cima: Fotomontagem com perspetiva a partir da ponte rodoviária sobre o Tejo
Em baixo: Fotomontagem com perspetiva a partir da Av. das Forças Armadas
(Construção e Ampliação da Torre Hertziana - Alto de Santo António, Abrantes, 1965 1982 |1 caixa, AMEC)
A grua instalada com uma altura de 50 metros, tinha na sua extremidade um dispositivo que com um ganho de elevação na ponta da lança, elevaria os trabalhos até 70 metros de altura, transportando cerca de 600 kg de cimento de cada vez.
A construção fez-se de forma ininterrupta, com três turnos de trabalhadores, de 8 horas cada, face à perigosidade e complexidade da obra. A torre tem três plataformas, uma estanque com janelas circulares, que se abrem mediante um dispositivo, sem causar qualquer perigo aos visitantes; as outras plataformas têm no seu interior equipamentos de rastreio e comunicações.
Ao longo dos anos.com a evolução tecnológica, as várias modificações de equipamentos (televisão, proteção civil, defesa nacional, comunicações e telefone) levaram a um conjunto apertado de regras de segurança.
A partir das plataformas, o acesso ao cimo da torre é feito por uma escada interna de emergência, onde estão instaladas mais antenas e uma torre vertical metálica, que perfaz o total global em altura de aproximadamente 75 metros (a antena inicial tinha 8 metros acima da estrutura e comportava o radar que funcionava num sistema rotativo a cerca de 60 metros do solo).

Arquiteto José Pedro Martins Barata
Segundo os dados técnicos de construção, a plataforma de tomada de vistas, com 8,50 metros de diâmetro e 3 de altura, pode comportar na sua superfície “à vontade” mais de 100 visitantes que, a 40 metros, terão o prazer de ver um dos panoramas mais surpreendentes de Portugal. O elevador sobe até aos 40 metros (primeira plataforma) e nos restantes 17 metros encontram-se as duas plataformas dos serviços técnicos. É digno de realce o facto de na estrutura/ /composição técnica se calcular que foram gastas mais de 20 toneladas de aço redondo, com espessuras variáveis entre de 3 oitavas de polegada a 1 polegada; ainda nesta construção foram igualmente gastas cerca de 4000 toneladas de betão, em dosagens de 300 kg por m3.
A grua técnica tinha um raio de ação circular de 15 metros e as plataformas para elevação do cimento (baldes específicos), funcionavam sobre carris em paralelismo (sobe e desce), através de um conjunto mecânico e elétrico movimentado por um grupo motriz de 1500 volts e 75 hp, trabalhando até que a torre atingir os 57 metros.
Como já foi referido anteriormente, decorria o ano de 1968 quando se iniciaram os preparativos para esta monumental construção e diz-se que os abrantinos viram nesta obra “um excelente motivo turístico e citadino”. Na altura, os rumores de que aquela estrutura poderia ser rentabilizada com a “instalação de um bar” e que o mesmo poderia ser explorado pela gerência do Hotel de Turismo de Abrantes suscitou entusiasmo em torno do potencial económico e turístico do triângulo Hotel - Torre - Piscina.
Ainda como elemento curioso, a 13 de janeiro de 1969, e devido a ventos ciclónicos, caiu a grua metálica empregue na construção da torre hertziana, causando apenas prejuízos materiais.
Com a entrega prevista para 29 de abril de 1969, a torre entrou em funcionamento, segundo a imprensa local, com o estatuto de imóvel de utilidade pública, a 23 de dezembro de 1969, sofrendo ligeiras alterações de ampliação em 1982.
Em novembro de 1980, a torre abriu pela primeira vez as suas portas ao público para a primeira visita do alto, onde, numa viagem de cerca de três minutos, os visitantes atingiram a altura de 54 dos 71 metros da torre. Foram cerca de 200 pessoas que tiveram oportunidade de visitar a torre, numa visita integrada na grandiosa e reconhecida Exposição Maximafilia, da responsabilidade da Liga dos Amigos de Abrantes. Contudo, face às exigências de segurança da torre, a viabilidade de ali se proporcionarem visitas regulares é muito reduzida.
A Torre Hertziana.com uma vista poderosa a partir do seu topo, visível a partir dos concelhos vizinhos, é um ex-Libris de Abrantes e cumpre as funções de telecomunicações da responsabilidade dos CTT, hoje Telecom.
Foi no tempo do Presidente da Câmara Municipal Dr. Nelson de Carvalho e da Presidente do Centro Social do Pessoal do Município de Abrantes D. Madalena Vieira, que servindo-se da torre como posição emblemática, a Câmara decidiu, em dezembro de 1994 (com a autorização dos CTT/Telecom),“decorar e preparar com iluminação alusiva”, constituindo suporte da já tradicional “Árvore de Natal de Abrantes”, considerada por muitos, através de referências elogiosas na comunicação social nacional, uma das maiores árvores de Natal do país.
Servindo-se da sua posição e dimensão, a Torre serviu igualmente para projetos integrados na envolvência artística do Creative Camp. da responsabilidade do canal televisivo 180 (Porto).
Quando a Torre Hertziana de Abrantes cumpre 50 anos de atividade, pareceu-nos fazer todo o sentido trazer à liça este monumento de interesse público de projeção nacional, que embeleza a vista de Abrantes e que constitui uma marca da identidade da cidade.

Instalação no âmbito do Creative Camp
(fotografia de Fernando Bourgard - Município de Abrantes)

Panorâmica a partir do alto da torre (fotografia de Luís Manuel Pombo)
Agradecimentos
Aos técnicos Graça Simões e António Vilelas, do Arquivo Municipal Eduardo Campos, pela cordialidade e disponibilidade na consulta dos documentos referenciados neste artigo. O agradecimento é igualmente extensível a José Martinho Gaspar, pela colaboração na organização e redação do texto.
IN: POMBO, Luís Manuel – A Torre Hertziana de Abrantes: referência de 50 anos. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 17. Nº 34 (2019), p. 6-13