OS JUDEUS EM TOMAR AS ORIGENS
A origem da comunidade hebraica em Tomar pode datar do início do século XIV, o que é corroborado pela lápide achada em Faro que refere a morte do Rabi José, de Tomar, em 1315, mas nada impede que venha do século anterior, possivelmente ao serviço da Ordem do Templo e, mais tarde, da de Cristo, especialmente durante o governo do Infante D. Henrique. No entanto, o mais antigo registo sobre essa comunidade nesta Vila, data de 1384, quando é doado, por D. João, Mestre da Avis, o serviço geral dos judeus de Tomar a João Rodrigues, criado do Mestre da Ordem. A JUDIARIA foi o seu crescimento demográfico que decerto suscitou a criação de uma Judiaria na Rua Direita (hoje Rua Dr. Joaquim Jacinto), perto da praça de S. João (hoje Praça da República) e da Corredoura, “ou seja, muito próximo do centro sócio económico do concelho”.
Ao longo do século XV, o seu crescimento impôs-lhe o encerramento de portas entre o pôr e o nascer do sol. Segundo informação recolhida por Romualdo Mela, existia uma tradição que assinalava o prédio, no cruzamento com a Rua dos Moinhos, onde vivia o “guarda” da Judiaria, que fechava as respetivas portas ao pôr-do-sol, e decerto as abria à alvorada. A este respeito, Santos Simões, em 1943, refere o testemunho oral de um tal sr. Elisário que lhe disse “que aquela rua tinha sido a judiaria, que era uma rua ‘trancada’, e que o seu Pai, morto há cerca de 30 anos com a bonita idade de 99, lhe dissera muitas vezes que nas esquinas havia sinais dos sítios das trancas e, do lado da Rua dos Moinhos, havia uma espécie de porta em arco, do qual já então não havia vestígios. É com a conversão forçada de 1497 e a criação da figura do cristão-novo que é abolida a Judiaria de Tomar, sendo mudado o seu nome para Rua Nova e transitando muitos cristãos-novos para outros arruamentos, enquanto cristãos-velhos se instalavam nas casas deste modo devolutas.
A POPULAÇÃO JUDAICA, Segundo Maria José Ferro Tavares, em meados do século XV a população judaica de Tomar andaria em cerca de 150 a 200 indivíduos, tendo chegado, na altura da expulsão, em 1496, a um número entre os 250 e 300, número esse decerto aumentado com judeus espanhóis vindos depois da sua expulsão pelos Reis Católicos, em 1492. De acordo com o numeramento de 1527, o primeiro censo da população efetuado em Portugal, Tomar teria então uma população aproximada de 737 moradores, o que, a aceitar uma razoável mas improvável estabilidade demográfica desde 1496, representaria uma percentagem de sangue judaico em 34 a 40% do total da população. AS FAMÍLIAS Entre as mais importantes famílias judaicas de Tomar destaca-se a dos Sapaio, a residir aqui na primeira metade do século XIV. São conhecidos Isaac e seu filho, David Sapaio, este último físico do prior da Ordem do Hospital, lugar em que se mantinha em 1471. Outros membros da família, ligados à infanta D. Beatriz (mãe de D. Manuel), a seu filho e à Ordem de Cristo, eram Jacob Sapaio e Bento Sapaio, que cobravam as rendas da Ordem. É precisamente Jacob Sapaio que surge, em 1494, como um dos ourives das alfaias religiosas oferecidas por D. Manuel ao Convento de Cristo. Mestre Guedelha Sapaio, filho de Jacob Sapaio, era físico, exercendo a medicina em 1486. Bento Sapaio, mercador e rendeiro, associava-se em 1488, com José Penafiel, judeu de Lisboa, e arrendava o trato das tenças da casa real, cujo pagamento era feito, em grande parte, em açúcar da Madeira que eles vendiam directamente, ou através de mercadores italianos seus representantes na Madeira. Esta relação com o comércio internacional atesta da importância económica e social desta família. Os seus membros, com Isaac Baruc, mercador rico, foram os únicos judeus de Tomar que receberam carta de privilégio de D. Afonso V e D. João II, que lhes permitia “fazer-se transportar em ‘besta muar de sela e freio’, o que os coloca a par do patriciado municipal cristão”. No entanto, embora outros judeus houvesse em Tomar com razoável abastança, a maioria da “gente de nação”, como eram conhecidos, dedicava-se ao artesanato e ao pequeno comércio de tenda aberta, aliado decerto à venda ambulante.
Fonte: Carlos Veloso (Jornal Cidade de Tomar, 6 de fevereiro 2004)