marilia

POR ANTÓNIO BENTO - Natural de Sentieiras. interessado pela cultura e património desta localidade

Maria Margarida Constâncio, filha do grande sentieirense Manoel Constâncio, nasceu em Sentieiras no ano de 1783. Teria sido talvez uma figura apagada se Pedro José, seu irmão, não tivesse levado a frequentar a sua casa, um dos poetas cuja amizade mais cultivava: Manuel Maria Barbosa du Bocage. Foi Maria Margarida uma das musas inspiradoras do grande Elmano sadino, que a batizou com o doce nome de Marília. Da paixão que entre os dois nasceu, nos fala pormenorizadamente Teófilo Braga. Bocage conhecera Maria Margarida através do seu camarada de estúrdia, Pedro Constâncio; mas também o seu irmão Francisco Solano fazia parte da sua roda de amigos, pois a ele se refere “como amigo íntimo que fui d' elle”, em termos dos mais elogiosos, na introdução dos seus Annaes. Frequentando a casa dos seus companheiros o vate, cujo coração, como todos sabemos, era facilmente inflamável, prendeu-se à beleza da sua Marília, sobre a qual nos deixou, para bem da nossa história literária, alguns dos seus mais sublimes versos. Elogia-lhe as perfeições, mas sabe dizer: “nem sou digno de ti nem sou ditoso”. Exalta-lhe os lábios, os cabelos, o colo, os braços em múltiplas e belas estrofes e diz:  

“És dos Céus o composto e brilhante; dera-se as mãos Virtude e Formosura, para criar tua alma e teu semblante”.

E ainda:

“Ó perfeições! Ó dons encantadores!

De quem sois? Sois de Vénus? É mentira; sois de Marília, sois dos meus amores”.

Bocage, ao visitar a Quinta do Vale da Louza, deixou-o transparecer nas suas rimas, onde bucolicamente fala nos campos à beira do Tejo e convida Marília para lograr:

“Destes alegres campos a beleza,

Destas coupadas árvores o abrigo”.

Mas ao cirurgião ilustre, a quem não passaram despercebidos estes devaneios, não podia convir a intimidade “perigosa” do parceiro de seus filhos, proibindo àquela jovenzinha de 14 anos, pois isto passava-se em 1797 e ela nascera em 1783, o convívio com ele. E então nasceu uma das mais extraordinárias poesias de Bocage: as “Verdades Duras”, mais conhecidas pelos seus primeiros versos, “Pavorosa ilusão da eternidade”, com o subtítulo “Epístola a Marília”. Nela se refere à “Carrancuda expressão de um pai austero” e diz que “Não chega ao coração os jus paternos”. O que é certo é que esta poesia, por outros motivos considerada sediciosa, foi o pretexto para que Bocage, por ordem do Intendente Geral de polícia, recolhesse ao limoeiro. Dada a sua amizade com Pina Manique, não ficou Manoel Constâncio ilibado da culpa de ter influído nessa captura. E da prisão, onde a paixão continuava, dizia ainda Bocage: “Por esta solidão, que não consente Nem Sol, nem da Lua a claridade,

Ralado o peito já pela saudade,

Dou mil gemidos à Marília ausente”.

E o nosso Constâncio foi afastando a ideia de sua filha a imagem do indesejado poeta, até fazê-la casar com o sapateiro Braz da Silva Consolado. Ainda hoje na Quinta do Vale da Louza há um local conhecido como Tapada do Braz.

In: BENTO, António – Marília e Bocage amores proibidos em Sentieiras. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 5 Nº 9 (2007), p. 93