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Fotografia da Capela da Matagosa, de 1953 (ano da sagração) da autoria de Gabriel António prior, onde é possível ver as fachadas principal (poente) e sul.  À direita da capela, vislumbra-se o portão que constitui o principal acesso à casa da família Prior, grande responsável pela sua construção.

Capela de Nª Senhora da Conceição. A Construção da Capela da Matagosa

Por José Martinho Gaspar - Professor, membro do CEHLA

A família Prior estabeleceu-se na Matagosa (norte do concelho de Abrantes) nas últimas décadas do século XIX, quando João António Prior, natural de Boafarinha, concelho de Vila de Rei, casou com Maria Rosa Dias Gaspar, com quem teve duas filhas. Após o falecimento de João António Prior, ainda bastante jovem, o seu irmão, José António Prior, desposou a viúva do mesmo e desta união nasceram seis rebentos (Acácio António Prior, Maria dos Prazeres Gaspar Prior, Isaura Gaspar Prior, José António Prior, Gabriel António Prior e Joaquim António Prior), alguns dos quais, pela sua ação, ficaram particularmente conhecidos no norte do concelho de Abrantes e também no concelho de Vila de Rei.

Os irmãos Acácio, Gabriel e Joaquim Prior, apesar de terem vivido parte da sua vida em Lisboa e viajado por outras partes do mundo, por todos serem oficiais da Armada Portuguesa, dedicaram uma atenção especial à sua terra e, após o enchimento da Barragem de Castelo de Bode, em 1951, vislumbraram, desde logo, o potencial turístico da região. Esta posição terá sido defendida publicamente por Acácio António Prior, enquanto Presidente da Junta de Freguesia do Souto, exatamente em meados do século XX. Note-se que, nesta altura, a Freguesia do Souto era a segunda mais populosa do concelho, com mais de cinco mil habitantes, imediatamente a seguir a S. Vicente.

A família Prior foi determinante para que se tenha construído um belo fontanário (1950) em Matagosa e, nos anos subsequentes, uma elegante capela, em honra de Nossa Senhora da Conceição.

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À esquerda, capa do livro que constitui a principal fonte deste estudo, organizado por Gabriel António Prior (1897-1978), Contra-almirante da Armada Portuguesa e Engenheiro Hidrógrafo.

O PROJECTO

A família Prior liderou o processo de construção da Capela de Nª Sra. da Conceição, em Matagosa, e deixou-nos um livro, depositado no templo em causa, que inclui os documentos fundamentais deste processo e integra uma memória descritiva e justificativa da obra. Todos os procedimentos e diligências para construção da capela foram conduzidos por Gabriel António Prior, engenheiro e oficial da Armada, o qual compilou e organizou a documentação.

A 6 de Fevereiro de 1951, ofícios assinados por Gabriel António Prior e seu irmão Joaquim António Prior remeteram ao Presidente da Câmara Municipal de Abrantes e ao pároco da Freguesia do Souto, José Martins Pires Coelho, o projeto de construção da capela.

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Capela de Na. Sra. da Conceição.

 No caso da carta enviada à paróquia, tratava-se de uma intermediação, respeitando a hierarquia, para que o projeto chegasse ao Bispo de Portalegre, tendo em vista a sua aprovação e a autorização da construção. Ambos os ofícios terminavam com a expressão lapidar do Estado Novo, em letras maiúsculas, «A Bem da Nação», deixando perceber que os proponentes se enquadravam na ordem do regime vigente e, reafirmando-o, tinham maior probabilidade de receberem o apoio das autoridades.

No “Preâmbulo” começa-se por afirmar que esta capela foi concebida por iniciativa dos irmãos Gabriel António Prior e Joaquim António Prior, influenciados por opinião quase generalizada e, depois, aceite pela população de Matagosa, Matagosinha e Água das Casas e ainda de outras localidades próximas. Dá-se ainda conta de que o projeto foi bem acolhido pelas entidades eclesiásticas e pela Câmara Municipal, que concedeu licença grátis para a concretização da obra. A ideia da construção nasceu no Natal de 1949, o projeto foi aprovado pela Câmara Municipal e pelo Bispo de Portalegre, em fevereiro de 1951. Era Bispo de Portalegre, à época, D. António Ferreira Gomes, que ficaria na História como «O Bispo do Porto», após a carta que escreveu a Oliveira Salazar, em 1958, e que lhe valeu o exílio. Enquanto Bispo de Portalegre, D. António determinou, atendendo às razões apresentadas e porque a obra proposta estava “[...] nas condições canónicas e litúrgicas de servir para o fim em vista, [ .] aprovar o referido projeto de construção, devendo, logo que esteja concluída a referida capela, pedir-nos a necessária licença para a sua bênção solene” Apesar da construção ter ficado a cargo da “Comissão da Capela”, que integrava um representante de cada família de Matagosa e Matagosinha, rapidamente ficou reduzida ao seu presidente, Manuel Alves Farinha, de Matagosinha, e a Gabriel António Prior, vogal, os quais promoveram peditórios para angariação de donativos.

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Provisão de D António Ferreira Gomes Bispo de Portalegre, cuja fotografia se encontra na coluna da direita, em que se aprova a construção da capela da Matagosa.

Depois da demolição dos palheiros existentes onde se haveria de edificar a capela, com a devida compensação para os respetivos proprietários, iniciou-se a construção, em Julho de 1951, a qual se concluiu em Setembro de 1952 Algum atraso neste processo deveu-se, no essencial, a demora e relutância no pagamento de donativos por parte de alguns contribuintes Em todo o processo, e relevada a ação de Manuel Alves Farinha, que orientou e fiscalizou gratuitamente grande parte da edificação, e de Gabriel António Prior, que orientou e custeou na integra as obras no mês de Setembro de 1951 (nas suas ferias) e na ultima semana de Dezembro do mesmo ano Foi responsável técnico pela construção, onde trabalhou com “muita dedicação e competência” o mestre pedreiro José Gaspar, de Sobral Basto O carpinteiro foi Vicente Ernesto (Pedrogão), de Agua das Casas

Na “Memória Descritiva”, começa-se por justificar a obra Os dados aqui apresentados, cerca de 60 anos volvidos, podem parecer um pouco desfasados da realidade, sobretudo porque as décadas subsequentes não confirmaram as expectativas dos promotores Todavia, transposto para os tempos que correm, o olhar de Gabriel António Prior parecia entender de forma clara que Matagosa e toda esta região eram e são merecedoras de uma atenção especial e detentoras de potencialidades desaproveitadas.

A aldeia de Matagosa tinha, a época, 120 habitantes e 28 fogos, porem a sua população aumentava a grande ritmo A fertilidade da terra, beneficiada pela disponibilidade de agua para rega, era um fator que cativava a instalação de forasteiros Os pinhais e os olivais também se apresentavam como agentes de crescimento da riqueza Ainda que a região tivesse sido sempre mal servida de vias de comunicação, a construção da Barragem de Castelo de Bode (inaugurada em Janeiro de 1951), cuja albufeira chega junto a povoação, contribuiria para o aparecimento de mais e melhores estradas, o que determinaria o progresso económico e turístico de toda a zona do vale da Ribeira do Codes Imaginava Gabriel António Prior que, entre aquele que era então o maior lago de Portugal e a segunda estrada mais importante do pais (Estrada Nacional N 0 2), a escassos quilómetros da aldeia, passaria, no futuro próximo, “um enorme transito”

A construção de uma capela era, independentemente, da nova realidade, uma necessidade que há algum tempo se fazia sentir, face a distância entre Matagosa e as localidades mais próximas onde se dizia missa aos domingos (Santiago de Montalegre, Milreu, S Martinho ou Maxial), num tempo em que quase toda a população fazia estas deslocações a pé As dificuldades eram acrescidas no Inverno, porquanto a missa era ao nascer do sol Os casamentos, os batizados e os funerais faziam-se na sede da freguesia, o Souto, onde se tornou mais difícil chegar, uma vez que os caminhos mais curtos utilizados até esta altura tinham ficado submersos pela albufeira4 A alternativa era fazer algumas travessias de barco, ou dar uma volta bastante longa, por S Domingos e Carvalhal, de cerca de 12 quilómetros.

A localização estratégica de Matagosa seria ainda uma vantagem para as aldeias circunvizinhas, umas do concelho de Abrantes e outras dos concelhos de Sardoal e Vila de Rei, que também beneficiariam com a construção da capela Matagosinha, Agua das Casas, Vale de Açor, Macieira, Cabecinha, Brejos, Brescovo, Codes e Salgueira.

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A oferta do projeto por Gabriel António Prior, que o próprio concebeu, acabou por diminuir um encargo de aproximadamente 5 500$00, correspondente ao valor do orçamento mais baixo apresentado para o efeito De acordo com o autor do projeto, principal dinamizador da sua construção, concebeu-se um edifício para comportar cerca de 100 pessoas, em função do espaço disponível e das possibilidades financeiras dos contribuintes. Houve uma preocupação de enveredar pelo estilo clássico para templos desta natureza, a que as populações estavam habituadas e compreenderiam melhor. Ao mesmo tempo, foi opção clara a utilização de janelas amplas e rasgadas, que garantissem a iluminação e ventilação, sempre em conformidade com as sugestões da Secretaria do Patriarcado, em Lisboa, e do pároco da freguesia do Souto.

Fazer aqui uma descrição pormenorizada do projeto tornar-se-ia um pouco cansativo, pelo que nos limitaremos a evidenciar os aspetos que mais saltam à vista. Um dos objetivos passava pela solidez, pelo que se apostou na qualidade dos materiais e no reforço da construção com vigas de betão. Porém, para lá da garantia da robustez e da durabilidade, as preocupações estéticas não foram negligenciadas: portas, janelas e outras aberturas para o exterior orladas por cantaria em ligeiro saliente; aberturas circulares nas paredes mestras (anterior e posterior), com o vidro armado a ter implantado, ao centro, uma Cruz de Malta; altar em alvenaria e mármore, de dimensões harmónicas e proporcionadas com todo o conjunto; torre de alvenaria, embelezada por três frestas, que termina com um minarete telhado, com catavento, bem adaptados ao estilo do corpo principal; colocação de duas cruzes de cantaria nos topos da empena da capela, com um metro de altura, “como é ritual e para maior embelezamento”.

O FINANCIAMENTO

Com um “orçamento aproximado”, para efeitos de construção, de 70.000$00, a comissão estabeleceu que o templo seria construído com donativos de residentes e naturais de Matagosa e com as ofertas obtidas, através de petição, junto da população das aldeias circunvizinhas que a capela viria a servir. A Câmara Municipal de Abrantes prometeu também dar algum auxílio, que se esperava que viesse a ser substancial, face ao escasso quantitativo angariado. Perante estas dificuldades, defendiam os promotores, “muito conviria também, que pelo Bispado de Portalegre fosse prestado qualquer auxílio monetário, principalmente destinado à aquisição dos necessários paramentos”.

Para além da escassez das ofertas iniciais, muitas das quais se traduziram na contribuição com dias de trabalho, não nos foi possível perceber exatamente se todas as pessoas que se comprometeram a colaborar (identificadas na fonte a que recorremos) o fizeram realmente, uma vez que nem todos efetuaram imediatamente o pagamento em causa. Seja como for, findas as obras, na contabilidade final, em que se apresenta a origem de todo o financiamento, dá-se conta que através de peditórios, em dinheiro, mão- -de-obra e materiais, a população de Matagosa ofereceu 27.750$00, em Matagosinha foram angariados 3.200$00, em Água das Casas obteve- -se a quantia de 910$00, em Cabecinha angariaram-se 295$00, enquanto do Brescovo e Codes vieram 75$00.

Efetuadas as contas finais de construção, equipamento e sagração da capela, apurou-se que as despesas foram de 124.000$00. Se é certo que alguns beneméritos fizeram ofertas de valores consideráveis, que da Câmara Municipal foi possível obter, em dinheiro, 3.000$00, e da Junta de Freguesia do Souto 500$00 (calcetamento do adro), conclui-se que, inequivocamente, os principais mecenas desta obra foram elementos da família Prior (irmãos Gabriel António Prior, Joaquim António Prior e Isaura Gaspar Prior), os quais contribuíram com 72.041$70, ou seja, 59% da totalidade dos custos.

No que concerne ao financiamento, há um conjunto de informações, no capítulo intitulado “Informações Complementares”, que se revelam muito curiosas e ilustram uma época com as suas estratégias para custear obras públicas, mesmo que uma ou outra aos olhos do cidadão do século XXI não se assuma como muito correta do ponto de vista ético. Manuel Alves Farinha, o Presidente da Comissão, ofereceu 4.255$00, verba correspondente a consultas médicas efetuadas pelo Dr. Joaquim António Prior. Diversas ofertas resultaram de “favores” feitos pela família Prior a vários indivíduos, de diferentes aldeias, que assim conseguiram garantir saídas profissionais para os seus filhos na Armada Nacional (Marinha), Polícia de Segurança Pública ou Companhia Nacional de Navegação.

SAGRAÇÃO, PARAMENTOS, ALFAIAS E OBJECTOS LITÚRGICOS

Ainda que a construção da Capela de Nossa Senhora da Conceição tenha sido concluída em setembro de 1952, foi pintada e equipada no ano de 1953, reunindo, desta forma, condições para a sagração, que ocorreu a 27 de setembro desse ano. Presidiram à cerimónia de sagração os padres Dias Afonso, Arcipreste do Sardoal, e José Ribeiro Mendes, da Freguesia do Souto. Nesta cerimónia foi celebrada uma missa solene por alma dos mortos das povoações de Matagosa, Matagosinha, Água das Casas e Vale de Açor, sendo o auto de bênção lavrado alguns dias depois, pelo Arcipreste do Sardoal. Depois de benzida, a capela ficou aberta ao público. Aí se passaram a celebrar regularmente missas dominicais, batizados e casamentos.

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 Interior da capela de N.a Senhora da Conceição. Na coluna da direita, rua principal da Matagosa, que sofreu obras de alargamento, após a construção da capela

O facto de Gabriel António Prior ser oficial general da Armada Portuguesa, deu-lhe a oportunidade, através dos contactos privilegiados que tinha e das viagens pelo mundo que fazia, de obter paramentos, alfaias e demais objetos litúrgicos para a nova capela em locais inesperados. O cálice e a patena, de acordo com o certificado do Patriarcado de Lisboa, foram adquiridos ao Sacré Coeur e sagrados pelo Bispo de Priene. A pedra de ara era pertença do Convento de Nossa Senhora da Visitação de Santa Maria de Lisboa, também conhecido como Convento das Salésias, da Ordem de São Francisco de Sales, localizado na Junqueira e extinto em 1897. O jogo de paramentos de damasco de seda (com cinco peças e toalha igual para o altar), o cálice de prata dourada e o crucifixo de pau preto com Cristo de marfim (que coroa o sacrário) foram produzidos em Goa, por ordem do Comodoro Gabriel António Prior e adquiridos por ele pela importância de 3.140$00, quando ali prestou serviço, em 1959, como Comandante Chefe das Forças Navais do Estado da índia. Foram benzidos pelo Arcebispo de Goa e Damão e Patriarca das índias Orientais, D. José Vieira Alvernaz, tendo, no caso do jogo de paramentos, sido estreados na Capela de Nossa Senhora das Brotas de Angediva, pelo Capelão da Marinha em Goa, Pe. José Maria das Neves.

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“Casas da Ladeira”, unidade de turismo rural na Matagosa, com uma excelente vista sobre a albufeira de Castelo de Bode Volvidos 60 anos, confirmam-se as potencialidades turísticas da localidade a que se referia Gabriel António Prior

PERCURSO PARA AS PROCISSÕES

Uma vez que se transitava, no interior da aldeia de Matagosa, por uma estrada particularmente estreita, por iniciativa dos irmãos Gabriel António Prior e Joaquim António Prior, procedeu-se ao alargamento da referida via. Em agosto de 1955, a Câmara Municipal de Abrantes enviou a Matagosa um fiscal, por solicitação dos proponentes, com o qual, e de combinação com os proprietários, intimados para o efeito, se marcou o alinhamento e alargamento da estrada para cinco metros, desde a capela ao fontanário da aldeia. Definiu-se, deste modo, os palheiros e muros que seriam demolidos e a posição em que seriam reconstruídos, determinando a intimação em causa que os interessados deveriam proceder a tais obras até ao fim de setembro.

Alguns dos proprietários efetuaram as obras à sua custa, porém outros não as fizeram a expensas próprias, ainda que tenham cedido gratuitamente os respetivos terrenos. Deste modo, os irmãos Prior pagaram oito empreitadas e alguns materiais para compensar os donos afetados, o que se traduziu numa despesa de 12.000$00.

Foi, desta forma, possível passar a ter uma estrada com cinco metros de largura dentro de Matagosa. Entretanto, por ação de Joaquim António Prior e de outras pessoas da povoação, procedeu-se à junção, transporte e britagem de pedra, com a qual a Câmara Municipal de Abrantes efetuou o calcetamento da estrada, desde o largo do adro da capela ao cimo da povoação.

Com a nova estrada pôs-se fim às estrumeiras e atoleiros que, nas estações chuvosas, tornavam especialmente difícil o trânsito rodoviário e pedestre no interior da localidade, o que era agravado com o facto de se tratar de uma aldeia que se localiza numa encosta bastante íngreme. Ao mesmo tempo, estas obras tiveram também em vista preparar apropriadamente a povoação para que pudesse ser percorrida pela procissão no dia da festa anual da padroeira da capela - Nossa Senhora da Conceição.

IN: GASPAR, José Martinho – Capela de Nª Senhora da Conceição: a construção da capela da Matagosa. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 12. Nº 23 (2014), p. 35-42