POR MANUEL BATISTA TRAQUINA - Natural do Souto, interessado pelo património da freguesia.

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Escola do Souto, com edifício construído no âmbito do projeto "Plano dos Centenários".

A criação das primeiras Escolas do Concelho de Abrantes data do ano de 1856. Neste ano foram criadas as Escolas n° 1 de Abrantes, Mouriscas e Souto. Nos anos seguintes, até ao final do século XIX, foram criadas mais duas Escolas em Abrantes, uma em Bemposta, Pego, Alvega, Rio de Moinhos, S. Miguel do Rio Torto e Tramagal. O nome “Escola” não era muito usual e o local onde funcionava era habitualmente denominado “Caza de Aulas”.

No início do século XX, a percentagem de analfabetismo era de 88% e na primeira metade deste século foram criadas cerca de vinte escolas, um pouco por todo o concelho. Já na segunda metade do referido século, foram criadas ainda mais algumas. A última a ser criada neste século foi a Escola n° 7 de Abrantes, em agosto de 1975. Já no início deste século XXI, a 15.09.2003, foi ainda criada em Abrantes a Escola António Torrado.

Muitas vezes quando a Escola era criada, ela já estava em funcionamento. Existiam também os chamados Postos Escolares, que funcionavam em instalações improvisadas, nalguns casos em edifícios construídos pelos pais do professor/a, que desta maneira tinha assegurada a sua colocação. Talvez porque não existiam professores em número suficiente, era dada a possibilidade a outras pessoas com um mínimo de habilitações, de ministrar o Ensino Primário, eram os denominados Regentes Escolares.

Não digo que os professores de outros tempos fossem mais dedicados que os de hoje, no entanto os métodos de ensino sofreram significativas alterações, é voz corrente que os conteúdos programáticos tinham mais utilidade prática quando os alunos completavam a antiga 4.a classe. Era frequente, nas semanas que antecediam os exames, os professores facultarem aulas suplementares, muitas vezes na sua própria residência, sem que por esse trabalho recebessem alguma remuneração.

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Escola do Souto, nos anos cinquenta. Turma das raparigas, com a professora D. Maria José.

Vivia-se o regime de Salazar, a disciplina era prioritária, a bata branca era obrigatória para professores e alunos. Nalgumas escolas, os alunos ao entrarem na sala ficavam de pé, junto à sua carteira, então o professor estendia a mão na direção da fotografia de Salazar e do crucifixo que se encontravam na parede por cima do quadro e, em voz alta perguntava: Em Portugal quem manda? Os alunos respondiam: Salazar! Salazar! Salazar! E quem reina? Cristo Rei! Cristo Rei! Cristo Rei! Seguidamente todos cantavam o Hino Nacional, só depois era dada a ordem para sentar e para o início da aula.

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Turma dos rapazes, com a professora D. Florinda. Década de cinquenta, na Escola do Souto

Quando qualquer pessoa entrava na sala, todos os alunos se levantavam. Periodicamente, o professor procedia a uma revista, as carteiras não podiam ser riscadas, os cadernos, a ardósia, a bata branca e o próprio aluno tinham que demonstrar certa higiene. Nesta área, nas zonas rurais, aos próprios pais muitas vezes escapavam alguns pormenores, e aí era importante a intervenção dos professores. O efeito da “menina-de-cinco-olhos “não se fazia esperar, consoante a falta cometida, poderiam ser aplicadas uma, duas, cinco ou mais reguadas. Hoje, àqueles a quem foram aplicados esses castigos, poucos são os que acham que aqueles castigos não foram proveitosos! Normalmente quem sofria o castigo, tinha todo o interesse em ficar calado, é que se os pais viessem a saber, lá em casa o castigo seria reforçado, partia-se do princípio que se foi castigado é porque não fez nada de bem, e assim merecia o castigo!

Havia muitas famílias a viver no limiar da pobreza, muitas das crianças percorriam vários quilómetros de pés descalços, para ir à escola. Nas manhãs frias de Inverno, era habitual levarem de casa uma pequena lata com algumas brasas incandescentes que lhes permitia algum aquecimento. Louvo a ação de algumas professoras que muitas vezes partilhavam o almoço com alguns dos mais necessitados.

Nas fotos que apresento, poderemos ver dois grupos de alunos da Escola do Souto, dos anos cinquenta do passado século, com um total de 79 alunos. A professora D. Florinda com o grupo dos rapazes e a Professora D. Maria José com as meninas. Grupos separados que nem na hora do recreio se juntavam! Funcionava ainda outra sala improvisada com a Professora D. Isabel Gaspar, com cerca de 15 alunos. Ora, só no Souto, sede da freguesia, não faltava muito para se atingir uma centena de alunos. Existiam ainda escolas em Carvalhal, Ribeira da Brunheta, Carril, Fontes, Maxial e Matagosa, o que torna difícil fazer uma avaliação do total de alunos na freguesia, mas que seguramente andavam à volta das três centenas.

Foi especialmente a partir da década de setenta do século passado que, nas zonas rurais, se começou a verificar uma redução na população estudantil, do então chamado Ensino Primário e, não só não foram criadas mais Escolas, como começaram a encerrar algumas.

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Escola de Rio de Moinhos, com edifício tipo “Adães Bermudes

Hoje no Souto, quando se prevê o encerramento da escola, funciona apenas uma sala com oito alunos. Perguntava-me há pouco uma pessoa idosa: “mas o que é feito dos meninos da Escola que já não oiço os risos e gritos na hora do recreio?”. Na realidade é assim, são tão poucos que quase não se ouvem!

Muitas coisas foram mudando, hoje muitas escolas estão equipadas com meios informáticos. Naqueles tempos, os alunos quase não sabiam o que era uma máquina de escrever, quanto mais máquinas de calcular. Mas na terceira classe sabia- -se a tabuada a cantar e faziam-se contas sem ser necessário contar pelos dedos. Desapareceram as velhas carteiras duplas ou individuais para dar lugar a pequenas mesas que não são mais cómodas nem funcionais, e também da parede, encimando o quadro, desapareceram aquilo que não faltava em escola alguma: o relógio octogonal, o crucifixo metálico e as fotografias dos antigos governantes, o Presidente da República e do Primeiro-ministro.

Por todo o concelho, as escolas encerradas são já uma realidade, estão agora devolutos aqueles edifícios, começados a construir na década de quarenta através do projecto Plano dos Centenários, com o Escudo Nacional esculpido em granito encimando a porta de entrada e janelas em abóbada, alguns inaugurados com grande pompa por ilustres personagens.

Antes deste tipo de edifícios, foram construídos dois tipos de edifícios escolares: o edifício tipo Adães Bermudes, que normalmente eram construídos à base de donativos e tinha uma ou duas salas no rés-do-chão e a residência do professor no primeiro andar; outro tipo de edifícios eram os designados por Escolas Conde Ferreira de Andrade, alguns ainda existentes, embora lhes tenham sido dadas outras utilizações. Ostentavam na frontaria um campanário com um sino, que com algumas badaladas anunciava o início das aulas. Porém, havia quem entendesse que as badaladas eram mais para que o professor se sentisse controlado pela população, que assim ficava a saber se ele cumpria o horário de entrada...

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Edifício tipo “Conde Ferreira de Andrade", em Abrantes, onde atualmente funcionam os Serviços Municipalizados.

In: TRAQUINA, Manuel Batista – O Ensino Primário Escolas do Souto e de Abrantes. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 5 Nº 9 (2007), p. 72-74