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Célia Corda - Licenciada em História Moderna e Contemporânea

Existe, na cidade de Abrantes, uma escola do 10 Ciclo privada, que funciona numa instituição denominada Colégio Nossa Senhora de Fátima. Sobre esta, pensei que poderia ser interessante averiguar um pouco da sua história e qual a influência que teve não só ao nível de Abrantes, mas também ao nível do país.

Esta instituição foi de uma grande importância para esta cidade: ajudou a divulgar o que esta tem de melhor, contribuiu durante largos anos para um aumento da sua população e educou para a vida os quatro mil alunos que já por ela passaram.

Falando um pouco da história do Colégio, ele foi pensado para ser um local onde as meninas pudessem receber, juntamente com a instrução, uma sólida formação moral, pois não havia na cidade de Abrantes, nem nos arredores, qualquer escola deste tipo. Foi por isso que o cónego Silva Martins, pároco de S. Vicente e uma religiosa, da Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras, a irmã Teresa dos Anjos, notando esta necessidade, pensaram em chamar algumas irmãs da mesma congregação para abrirem uma casa de educação, na cidade de Abrantes. Esta ideia foi concretizada e o Colégio abriu as suas portas, pela primeira vez, a 13 de outubro de 1932. Ficou instalado provisoriamente num edifício, situado na Rua Actor Taborda n° 15, onde hoje se encontra a Casa de Santa Maria.

O Colégio teve uma regular frequência de alunas externas e cerca de meia dúzia de internas, visto que, destas últimas, não podia comportar mais. Nos primeiros anos, foi-se equilibrando, mas depois as Irmãs Franciscanas tiveram de deixar a direcção do Colégio, que foi entregue às irmãs andaluzas vindas de Santarém. Também estas irmãs não foram mais felizes que as Irmãs Franciscanas, pois a casa não tinha condições para nela funcionar um Colégio, o que dificultava a disciplina e o bom aproveitamento das alunas.

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Então, o cónego Silva Martins, que não queria deixar que esta instituição tivesse um fim, comprou a quota de um dos sócios do dito Colégio, mas, apesar dos seus esforços, a situação mantinha-se.

Em 1939, este cónego, com grande determinação, decidiu ir de porta em porta, ele próprio, pedir aos abrantinos uma contribuição monetária para que se pudesse fazer um edifício onde fosse possível funcionar um bom colégio feminino. Mas, a população era pobre na sua maioria, pelo que o que conseguiu foi muito pouco. Decidiu então pedir ajuda a alguns ilustres de Abrantes. Foi assim que o Dr. Manuel Fernandes, o Dr. Armando Moura Neves, o Tenente-Coronel Camejo e o Sr. Manuel Proença Lisboa, entre outros, resolveram fazer uma sociedade com o objetivo de erigir um edifício onde fosse possível funcionar um bom colégio para raparigas.

Foi constituída a sociedade construtora do mesmo (Sociedade do Colégio de Nossa Senhora de Fátima, Lda.), sendo a elaboração do projeto da responsabilidade do arquiteto Amílcar Pinto. A construção foi entregue à Construtora Abrantina, Lda. e, após apenas um ano, o Colégio pôde começar a funcionar na sua nova morada. Faltava pensar nas religiosas (os abrantinos assim o queriam) que deveriam administrar o Colégio. De entre duas hipóteses: as Doroteias e as Irmãs do Sagrado Coração de Maria, foram escolhidas as primeiras, que, quinze dias após terem sido contactadas, deram uma resposta positiva ao Dr. Manuel Fernandes.

Fez-se então um contrato entre a Sociedade do Colégio Nossa Senhora de Fátima Lda. e a Instituição. Ficou determinado que em vez de uma renda fixa, as irmãs pagariam à Sociedade uma determinada quantia por cada aluna.

No dia 30 de setembro de 1940, as primeiras irmãs de Santa Doroteia chegavam à cidade de Abrantes, sendo feita a inauguração do Colégio no dia 13 de outubro de 1940. Estiveram presentes o Bispo de Portalegre, as primeiras alunas e as suas famílias, assim como a população abrantina que, nesse dia, foi também convidada a visitar o edifício.

Abriu-se o Colégio com 100 alunas entre internas, externas e semi-internas. No fim do segundo ano de funcionamento, a casa teve de entrar em obras, pois começou a afluir grande número de alunas. O número de internas chegou a ser tão elevado que as Irmãs se viram obrigadas a alugar, elas próprias, casas perto do Colégio onde as alunas dormiam. Também as empregadas dormiam nestas casas, chegando mesmo algumas a estudar, pois acreditava-se que era preciso dai cultura e formação à população.

Mais tarde, foi adquirido o Antigo Convento da Esperança (onde também funcionou o Teatro Taborda) e no espaço onde era a igreja foi feito um grande salão. Foi adquirida igualmente, a atual Casa da Esperança (no local onde funcionara anteriormente o Distrito da Reserva pertencente ao Ministério do Exército) para, mais tarde, albergar atividades de tempos livres para crianças e adolescentes.

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O Colégio chegou a funcionar desde a Infantil até ao fim do curso dos Liceus e tinha disciplinas como Português, Francês, Ciências Naturais, Matemática, Desenho e Trabalhos Manuais, Educação Moral e Cívica, Educação Física, Canto Coral, Lavoures Femininos, História, Alemão, Inglês e Geografia. Para além destas disciplinas obrigatórias, as alunas podiam ter aulas de piano e pintura em horário extra.

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Sempre foi uma escola privada e, até à década de 60, foi frequentado exclusivamente por raparigas. Só na década de 70 apareceram os primeiros rapazes, mas nunca em regime de internato.

Apesar de ser uma escola privada e de, em princípio, ser apenas frequentada pelas filhas das famílias mais abastadas, esta instituição nunca fechou as portas a ninguém que ali quisesse estudar. Eram dadas facilidades de pagamento e, em caso de impossibilidade económica, algumas alunas tiveram a oportunidade de ter uma instrução gratuita, o que também pude confirmar nas fichas dos alunos que consultei, pois, aquando destes casos, estava inscrito na ficha da aluna “gratuito”. Davam assim possibilidade a que todas as raparigas pudessem ter uma boa formação e preparação para a vida, que, na década em que o Colégio abriu, passava muito por ser uma boa esposa e uma boa mãe.

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Quanto aos professores, no início, quase todas as disciplinas eram dadas pelas irmãs. Mais tarde, como estas já eram insuficientes, começaram a ser contratados professores e professoras do ensino oficial, para lecionarem no Colégio.

Em 1944 era assim descrito o Colégio, no livro “ O Concelho de Abrantes”1, editado pela Câmara:

“O mais completo estabelecimento de ensino particular do País. Ao esforço para aumentar o número de estabelecimentos de ensino por todo o país, está correspondendo a iniciativa particular com uma ação digna de registo. Grandes Colégios surgem por toda a parte, mas poucos ou nenhuns que possa comparar-se ao Colégio de Nossa Senhora de Fátima, em Abrantes.

A «Cidade Florida» orgulha-se dele, com justa razão.

O magnífico edifício onde se encontra instalado este colégio de meninas, que tão bom serviço está prestando à educação é, no seu género, o melhor do país. Ergue-se no sítio da Esperança, um local soberbo (...) que domina a cidade, numa esplêndida situação, desafogada, lavado de ar puro, abarcando das suas inúmeras janelas um lindo, vasto e variado panorama que se estende até às serras (...) e planícies (...).

Obedeceu a construção a todos os modernos requisitos e preceitos pedagógicos e higiénicos. Conta com doze salas de aulas, um vasto gabinete de física e ciências naturais, laboratório de química com chaminé e câmaras para experiências, salas de lavoures, costura e outros trabalhos manuais, um grande ginásio que também serve de salão de festas e uma ampla capela.

Começou o Colégio de Nossa Senhora Fátima a funcionar com quatro esplêndidos dormitórios, cheios de ar e de luz; (...). Ao fim de dois anos, porém tomou-se necessário proceder ao alargamento dos dormitórios e instalações correspondentes, refeitórios e clausura para as Irmãs. O refeitório é espaçoso e alegre, a cozinha e dependências são impecáveis e dotadas do melhor material. Nos anexos, quartos e outras dependências e, no meio, um simpático e alegre claustro.

As instalações sanitárias são completas, modelares. Há cabinas em número suficiente para, em meia hora, todas as alunas tomarem o seu duche obrigatório e gratuito, banhos de imersão, grande número de lavabos e instalações sanitárias privativas para o pessoal e para as alunas externas (...).

A educação física está a cargo de um técnico competentíssimo, o Sr. Major João Duarte Marques. Além do ginásio, há vários recreios e um bom campo de jogos, patinagem, basquetebol, voleibol, «cricket», etc. Ao desenvolvimento físico dedica-se cuidados muito especiais, com exercícios ginásticos, passeios higiénicos e uma alimentação sadia e bem confecionada.

O Colégio de Nossa Senhora de Fátima marca pela sua boa e inteligente orientação, nada ali ficando ao acaso de improvisações.

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Entregue às Irmãs Doroteias (...), ele forma moral, cívica e literariamente as suas alunas, por meio de uma instrução sólida e verdadeiramente prática, visando em especial a cultura e o desenvolvimento das virtudes que fortalecem o carácter e formam o coração.

Com o ensino da religião católica, as educandas cursam instrução primária, liceu até ao fim do 3o ciclo, recebendo, em especial, ensino prático nas línguas francês, inglês e alemão. Desde as primeiras classes, são obrigadas a executar vários trabalhos manuais: costura, bordados, rendas, etc.

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Neste ambiente de ordem, método e higiene, tão salutar para a saúde física e moral das alunas, a educação artística é ministrada em cursos particulares de desenho, pintura, arte aplicada, visita a monumentos artísticos, declamação e música, em lições individuais de piano e outros instrumentos.

Tem-se em vista preparar as educandas para a vida familiar e, por isso, muito acertadamente se criou um curso de economia doméstica, com cozinha própria, onde as alunas recebem lições práticas. (...). De ano para ano, o número de educandas cresce, sintoma de que a sua obra educativa, sendo profícua para quem a recebe, criou nos pais uma sólida confiança.”

Neste texto estão patentes as características base da educação da época e os valores morais dessa sociedade. Ideias como higiene, boa alimentação, luz e ar mostram a evolução que tinha vindo a ser feita nas cidades, numa tentativa de as tomar saudáveis e menos mortíferas.

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No que diz respeito à educação exultam-se os princípios de uma boa dona de casa que sabe fazer de tudo um pouco, no seu lar.

Um outro assunto a focar tem a ver com os registos das alunas onde mais uma vez se reflete o espírito da época. Nas fichas apenas aparecia a naturalidade da aluna, data de nascimento, nome e profissão do pai, ignorando-se o nome e a profissão da mãe. Evidencia-se assim a importância da figura do Pai, chefe de família, ideia incutida pelo Estado Novo.

Ao falar no pai e na sua profissão, se dermos uma breve olhadela aos registos, encontramos como principais profissões: comerciante, negociante, guarda-livros, industrial, funcionário público, médico, advogado, professor, ferroviário, operário, engenheiro entre muitas outras. Esta breve lista demonstra um pouco a classe social das alunas que frequentavam esta instituição.

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Por razões várias, mas, sobretudo, porque o ensino público, na cidade e zonas limítrofes satisfazia já as necessidades da população, no ano letivo de 1990/91 o colégio fechou para o 3o Ciclo e em 1991/92 para o 2o Ciclo do Ensino Básico. Anteriormente, já tinha fechado para o Secundário. Hoje em dia, nesta instituição, funciona apenas o Io Ciclo do Ensino Básico e tem atividades de tempos livres, para alunos das escolas públicas de Abrantes, que vão para o colégio depois das aulas e aí fazem os trabalhos de casa e desenvolvem diversas atividades até os pais os irem buscar.

Este colégio, como vou demonstrar a seguir, foi frequentado por alunas de vários pontos do país, no entanto é necessário referir que algumas nasceram em distritos distantes, mas que, quando vieram frequentar o Colégio, os pais tinham vindo residir para Abrantes, na maior parte dos casos em trabalho.

No entanto, há outras alunas que vinham por exemplo de Castelo Branco e de Coimbra, que ficavam no Colégio e só iam a casa nos fins-de-semana e férias escolares. Há ainda o caso de alunas que vinham das antigas colónias e outros países distantes, como veremos a seguir, que só iam a casa nas férias de Verão, ficando a cargo das irmãs todo o ano letivo sem a companhia dos pais. Nalguns casos existiam também alunas órfãs de pai ou de mãe, ou até ambos, que frequentavam o Colégio a tempo inteiro e que também só viam a família nas férias escolares.

Como já referi, consultei os registos desde 1940 até 1999, procurando saber de onde vinham as alunas que frequentaram este Colégio. Decidi fazer o meu estudo por décadas e distritos por ser mais fácil de contabilizar.

As conclusões a que cheguei em parte surpreenderam-me, pois em quase todas as décadas existem alunas pertencentes a todos os distritos. Santarém tem, no entanto, um número mais elevado de alunas, pois Abrantes situa-se neste distrito e, como é óbvio, era a naturalidade da maior parte das alunas.

Os distritos com mais afluência são, depois de Santarém, Castelo Branco, Lisboa, Portalegre, Coimbra.

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Se olharmos mais uma vez os dados, desta vez por década, vamos poder concluir que na década de 60 foi o auge do número de alunas que entraram vindas dos distritos portugueses, sobretudo do distrito de Santarém, mas a década de 70 foi o culminar dos alunos vindos do estrangeiro principalmente de Angola, na altura província portuguesa.

Países como Suíça e França também tinham a sua importância. Na década de 70, existe um aumento das alunas provenientes de Angola, Moçambique e Zaire, o que se pode, em princípio, atribuir à guerra que ali se vivia e ao número de retornados que regressavam e cujas filhas tinham nascido nesses países, aparecendo assim a referência ao seu local de nascimento.

Existiam também alunas provenientes da Venezuela, Suíça, França, Alemanha, Brasil, Espanha, Macau, Bélgica e Índia.

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Uma análise pelos totais revela ainda que na década de 60 entraram cerca de 1300 alunos, atingindo aqui o máximo de frequência. Chegamos assim ao total de alunos que já passaram pelo

Colégio: 4080.

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No que diz respeito aos valores mais recentes, não tenho ainda dados pois eles dizem respeito a alunos que ainda estão na instituição, e que são só do 10 Ciclo, mas posso afirmar segundo palavras da diretora, que hoje em dia os alunos já são todos de Abrantes, deixando por isso de se verificar o que foi por mim demonstrado para as décadas anteriores.

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Quando me defrontei com estes dados, questionei-me sobre qual a razão de este Colégio “atrair” gente de tantos pontos, por isso decidi perguntar à diretora, a outras irmãs e às empregadas mais antigas se me sabiam explicar qual a razão. A resposta foi em grande parte semelhante: “Este Colégio sempre teve boa fama e o ensino era muito exigente e com qualidade. Os pais que colocavam aqui as suas filhas ficavam descansados.”

Ainda hoje se nota nas palavras de quem dirige o Colégio, o orgulho de transmitir valores e de preparar, segundo as suas palavras, os alunos para a vida “lá fora”, fazendo ainda denotar um pouco o espírito de missão dos anos 40: incutir não só a cultura como os valores morais e cívicos.

Temos de focar aqui um último ponto: algumas destas meninas que apresentam naturalidade, de outros pontos que não a cidade de Abrantes ou o seu Concelho, vieram morar para Abrantes. Isto significa que aparece gente nova na cidade, com outros costumes, outras tradições que passaram a fazer parte do círculo social da população de Abrantes.

Principalmente na década de 60 e 70, em que estariam no Colégio cerca de 1000 alunas, de entre estas uma parte seria de Abrantes, mas outra parte era de fora e habitavam a cidade no período de aulas, originando uma vivacidade típica juvenil de uma cidade onde há escolas com muitos alunos vindos de fora. Provavelmente nos meses de Verão notar-se-ia diferença nas ruas e na agitação da cidade.

Os registos que consultei, alguns com mais de sessenta anos, permitiram-me perceber, em parte, como funcionava a sociedade abrantina e de que maneira pensava, para sentirem a necessidade de criar, na década de 40 um colégio feminino que incutisse a cultura e ao mesmo tempo desse formação ao espírito, ou seja, transmitisse também os valores morais, cívicos e humanos da sociedade da época.

Conclui, principalmente, que as áreas de influência vão de Norte a Sul do País e que se dispuséssemos estes dados num mapa, fazendo setas para os locais de onde vinham alunas para estudarem neste Colégio, iríamos ter uma complexa rede, tocando todo o país, regiões autónomas e os continentes europeu, africano, asiático e americano. E ainda de salientar a importância de um Colégio deste tipo, para o prestígio desta cidade e também para a sua divulgação e afirmação não só local, mas nacional e internacional.

Notas

1 In: Machado. Carlos de Sousa. Ferrinho. João da Costa. O Concelho de Abrantes (Abrantes Cidade Florida), Abrantes, Câmara Municipal de Abrantes e Grémio da Lavoura. 1944.

IN: CORDA, Célia – O Colégio Nossa Senhora de Fátima e as suas áreas de influência. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 4. Nº 7 (2006), p. 75-86