Por CAROLINA MARQUES - Trabalho concebido no âmbito de um estágio realizado na associação Palha de Abrantes. O artigo consiste numa reflexão sobre o trabalho desenvolvido durante um ano com duas escolas do concelho, onde a autora acompanhou as atividades das mesmas e contactou com pessoas sobre a escola da sua aldeia
A história mostra-nos frequentemente alguns erros que não deveríamos repetir. Por vezes, são as histórias de outros países que nos fazer estar mais alerta, refletir sobre o que é nosso, proteger os nossos bens, as nossas pessoas, o nosso património.
O valor de algumas dessas histórias só é realmente apreciado passados vários anos, quando a sua ausência revela marcas no futuro.
As escolas primárias da Amoreira e de S. Facundo, no concelho de Abrantes, são duas pequenas escolas que se tornarão histórias também, e cujos alunos serão transferidos para escolas maiores, os novos centros escolares.
Quando nos referimos a estas escolas como “pequenas”, temos em conta apenas o seu tamanho físico ou o seu número de alunos, quando comparadas com outras escolas. Mas convém saber que estas escolas pequenas se destacam por vários aspetos positivos, que nem sempre estão presentes nas escolas “grandes”.
Quando conhecemos as suas rotinas, as suas atividades, mas sobretudo, o ambiente humano que as preenche, é impossível não nos questionarmos sobre a mais-valia que estas escolas representam para aquelas crianças, professores, auxiliares e restante comunidade.
A ESCOLA DA AMOREIRA
A escola da Amoreira, na freguesia de Rio de Moinhos, que foi encerrada no ano de 2011, teve durante o seu último ano letivo, oito alunos no ensino primário e cinco alunos no ensino pré-escolar, contando com duas professoras e duas auxiliares.
Quando se chega à escola da Amoreira a primeira sensação que se tem é de paz, tranquilidade. Ao entrar na sala de aula do primeiro ciclo, o ambiente é harmonioso, tendo a professora a possibilidade de desenvolver algo que nem sempre é possível com turmas maiores - um ensino individualizado.
Indisciplina é algo que não se verifica. Obviamente que existem desentendimentos, mas para isso, existe o Conselho de Turma, um pequeno, mas importante complemento, implementado pela anterior professora da turma Arco-Íris (assim chamada uma vez que no ano anterior eram sete alunos - sete cores) e continuada pela professora atual.
O Conselho de Turma consiste numa reunião semanal com a professora e alunos para discutir assuntos relacionados com a turma, com base no “Diário de Turma”, que por sua vez, consiste numa cartolina com uma folha A3, com três colunas onde está escrito “Gostei”, “Não gostei” e “Gostava”, em cada coluna. Esta cartolina está sempre exposta na sala de aula, junto ao quadro e os alunos escrevem o que pretendem nas colunas e assinam. Foram nomeados entre eles um presidente e um secretário (neste caso, uma presidente e uma secretária), que dirigem a reunião e fazem a ata.
Segundo a professora, esta estratégia revela-se importante na prevenção e resolução de problemas, assim como assegura a participação de todos nas decisões da turma. Para além disso, fortalece também o sentimento de comunidade.
No recreio, depois de as crianças comerem as torradas ou bolos feitos pelas auxiliares, a brincadeira toma lugar. Esta pode passar por rebolar no meio da erva, saltar à corda, construir esconderijos atrás de uma árvore,’ dançar, brincar às pistolas (com ramos) à volta da escola...
As crianças brincam umas com as outras utilizando todo o perímetro da escola. Uma vez que são poucos, é também frequente encontrá-los a brincar todos juntos no mesmo jogo, sejam alunos do primeiro ciclo como alunos do pré-escolar.
No fim das aulas curriculares, os alunos dividem-se nas tarefas previamente atribuídas a cada um, para depois dar lugar às AECs.
Na outra sala, o jardim-escola, o ambiente é semelhante. A sala, per si, é um encanto. Ainda não estando padronizada, basta estar na sala durante alguns minutos para nos apercebermos da riqueza do conteúdo.
Quando contactadas algumas pessoas das aldeias, as opiniões são unânimes: a escola não deveria fechar. As pessoas mais idosas relembram os seus tempos passados naquela escola e lamentam o facto de hoje haver poucos alunos, mas, ainda assim, defendem- -na e a escola é para elas, um orgulho.
A ESCOLA DE S. FACUNDO
A escola de S. Facundo, situada a sudeste do concelho, reúne alunos de toda a freguesia, das aldeias de S. Facundo, da Barrada, de Vale de Zebrinho e da Esteveira. O passado ano letivo (2010/2011) contou com 26 alunos, mais do que no ano anterior.
À semelhança da escola da Amoreira, a forma como se é recebido na escola diferencia- -se provavelmente de outras escolas maiores. Por exemplo, não houve necessidade de tocar campainha e esperar que uma auxiliar nos abrisse um portão à entrada.
Afinal, nestas escolas ainda se conserva uma segurança sem portões ou vedações. Algumas crianças continuam a ir para casa em grupo, sem a companhia de um adulto, mas visivelmente vigiadas pelos transeuntes, quase sempre familiares, amigos ou vizinhos. O sentimento de comunidade aqui vive-se intensamente.
De facto, à medida que se conhecem cada vez melhor estas escolas, o aspeto que mais sobressai é o seu ambiente familiar. Como disse um dos técnicos de animação que trabalhou com a escola: “só faltam as pantufas”.
A comunidade escolar de S. Facundo destaca-se por este, mas também por outros aspetos. Mas importa sublinhar sobretudo a sua participação ativa na aldeia, sendo frequente a organização de eventos em parceria com a Junta de Freguesia, a Casa do Povo e outras instituições, pessoas da comunidade, ou de fora que têm interesse em participar na escola.
A festa de natal da escola, a feira de bolos e tradições, a festa de final de ano, as visitas de estudo (sendo que uma inclui os pais) e as tertúlias “Hoje pago eu” são alguns exemplos. No que diz respeito à prevenção e solução de problemas, a escola não trabalha isoladamente, mas sim em parceria. Citando o professor, “Gostamos sempre de ter gente cá na escola”.
Quem vem (por bem) para a escola de S. Facundo é bem-recebido e naturalmente se integra nas atividades, começando a sentir- -se de facto, parte da escola.
Nas aulas, os alunos de uma forma geral demonstram uma calma e concentração fora do comum, ouvindo com atenção os professores, que transmitem também essa calma e ordem aos alunos. Verifica-se um espírito de entreajuda, sendo que os alunos mais velhos ajudam muitas vezes os mais novos nos trabalhos.
Os professores trocam impressões com frequência, sobre estratégias e atividades. É notória a atitude positiva perante a resolução de problemas e não a ênfase nas dificuldades.
REFLEXÕES
As principais reflexões deste trabalho permitem concluir que estas crianças (de ambas as escolas) não ficam penalizadas pelo facto de estudarem numa escola pequena, numa aldeia. As necessidades destas escolas provavelmente não passarão pela retirada das pessoas do seu espaço, pela ampliação do espaço ou pelas instalações novas, mais modernas.
Em ambas as escolas aqui referidas, a principal necessidade apontada pelos intervenientes referia-se à renovação de alguns aspetos físicos, sobretudo nas casas de banho. De resto, e ponderando aquilo que é realmente importante para o bem-estar pessoal, coletivo e para os objetivos educacionais, estas escolas têm tudo o que precisam e muito provavelmente, apresentam significativas vantagens quando comparadas com os novos centros escolares ou com escolas maiores já existentes.
Nestas escolas, há espaço para as tecnologias e para as tradições, para a vigilância e para a espontaneidade, para a regra e para o afeto. Bullying, indisciplina escolar ou isolamento social são conceitos distantes, com incidências raras e naturalmente sinalizadas por toda a comunidade.
Obviamente que a qualidade de uma escola depende sempre de todos os seus intervenientes - professores, alunos, pais e comunidade. Deverão todos trabalhar em conjunto para o bem comum, sendo que os professores assumem um papel de destaque (e cada vez mais desafiador), pois são eles os elos de ligação com os pais e com os alunos.
Quando as organizações internacionais analisam os índices de desenvolvimento humano, um dos principais pilares analisados é a educação.
No entanto, antes de serem tomadas decisões em relação a este aspeto tão importante, há que ponderar primeiro as suas
consequências a curto, mas sobretudo, a longo prazo.
Será que daqui a uns anos, depois da transferência para outras escolas, serão verificadas melhorias no rendimento escolar, na cidadania, na disciplina e no bem-estar destes alunos e professores?
Os estudos indicam-nos que o sentimento de comunidade numa escola, tende a favorecer o rendimento escolar dos alunos, a permanência escolar, a perceção de eficácia pessoal, os comportamentos cooperativos (paralelamente, a redução de comportamentos violentos), a motivação e a perceção de bem-estar dos intervenientes.
Alguns estudos sugerem também que em grupos mais pequenos, o sentimento de comunidade percecionado é também maior, quando comparado com grupos maiores.
Será que a construção de escolas cada vez maiores, mais deslocalizadas e em menor número, permitirá que este parâmetro tantas vezes ignorado - o sentimento de comunidade - se desenvolva?
Quais serão verdadeiramente as consequências destas decisões no futuro? Qual deverá ser o nosso papel, enquanto sociedade civil, em relação a este tema?
IN: MARQUES, Carolina – A importância da escola na comunidade - os bons exemplos da Amoreira e S. Facundo. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 9. Nº 18 (2011), p. 48-52