escola rio moinhos

Escola Primária Feminina, de 1904, (Projeto Adães Bermudes).

Por Helena Salvador – professora de história

Rio de Moinhos foi dotado de um novo edifício escolar para o ensino básico, razão pela qual foram descativados os dois edifícios onde antes este funcionava. Fechados e sem meninos, achei ser oportuno deixar para memória futura alguns dados recolhidos, de forma informal, sobre os dois edifícios e o ensino primário nesta aldeia.

O Ensino Primário do Sexo Masculino em Rio de Moinhos, foi instituído por documento governamental, a 24 de março de 1856, o mesmo que criava escolas no Souto e nas Mouriscas e, na Vila de Abrantes uma escola para o sexo Feminino.

Competia à Junta, designada na época por Junta de Paróquia, arranjar o local para o funcionamento da escola e o alojamento do professor. Parece que a tarefa não foi difícil. Um membro da então existente Irmandade do Santíssimo Sacramento construíra uma casa, junto da Igreja, que doou à dita Irmandade para que nela se pudesse preparara “Festa do Bodo” e guardar as alfaias usadas na mesma, era a chamada “Casa do Bodo”. Como a casa em questão estava subaproveitada, terão chegado a um acordo, a escola do sexo masculino funcionaria lá, salvaguardando-se a utilização da mesma durante o período da festa. Assim terá sido até 1876, ano em que foi extinta a Irmandade do Santíssimo Sacramento e todos os seus bens passaram definitivamente para a Junta.

Sujeita a obras de conservação e melhoramento, como as que dão notícia as atas da Junta, no ano de 1890, foram alargadas as janelas, para a dotar de maior luminosidade e arejamento, arranjadas as fissuras nas paredes e pintada, a “Casa do Bodo” cumpriu a sua missão e funcionou como escola primária durante 156 longos anos.

Pela escola, terão passado vários professores, no ano de 1891, o cargo de professor é assumido pelo senhor Manuel Gonçalves Esteves, na altura com 38 anos de idade, e que ali permaneceu até à primeira década do século vinte, sendo então substituído pelo professor Manuel Vicente Nogueira. A sua tarefa não devia ser fácil, pois sabe-se que era grande o número de crianças em idade escolar, em todos os lugares da freguesia.

No ano de 1887, o Estado solicitou às juntas que fizessem o recenseamento das crianças do sexo masculino em idade escolar (6 aos 12 anos). O número, de crianças recenseadas pela Junta de Rio de Moinhos, incluindo também os lugares de Amoreira, Aldeinha e Braçal era: no ano letivo de 87/88, de 83; em 90/91, de 108; em 96/97, de 127; em 98/99, último ano de que obtivemos informação, de 108. É evidente que a maioria destas crianças nunca terá frequentado a escola.

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O número excessivo de crianças em idade escolar levou a Junta, a 24 de janeiro de 1896, a escrever ao rei a pedir a criação de uma nova escola na Amoreira. Na carta dizia-se: uma escola elementar do sexo masculino no referido lugar, atendendo que o dito lugar de Amoreira é bastante populoso e que o número de crianças na idade escolar é importante. A população da Amoreira apoiava esta ideia de tal forma que, em dezembro do mesmo ano, havia angariado 30.000 reis para a compra de mobília da futura escola, mas, infelizmente, o pedido não foi satisfeito.

No que respeita ao ensino feminino, a primeira referência que recolhemos foi do ano de 1882. Na ata da sessão ordinária da Mesa administrativa da Junta de Parochia, de 29 de Janeiro desse ano, o então presidente, o senhor António Alves Mineiro, referiu ter sido apresentado um ofício pela professora do ensino primário desta freguesia Elvira Joaquina Santos Castilho e Silva reclamando uma casa em melhores condições do que aquela em que hoje se acha a escola do sexo feminino por falta de capacidade e ventilação, por isso propunha elle Presidente que se tratasse de alugar uma casa nas condições exigidas.

D. Elvira, viúva e mãe de uma filha, muito provavelmente sem qualquer outra fonte de rendimentos, terá procurado no cargo de professora uma forma digna de sustento para ambas. Os seus ofícios dirigidos à Junta mostram que a sua vida de professora não terá sido fácil, pois desta vez nem sequer havia edifício para oferecer.

A 25 de Março de 1883 a senhora professora dirigia novo oficio para lhe ser postas vidraças nas portas e janelas da aula, e casa de habitação da mesma professora, pretensão que foi indeferida porque a casa era de arrendamento por um ano, e a junta só é obrigada a reparar e conservar as escolas cujos prédios pertencem à parochia.

A 3 de Junho do mesmo ano, ajunta propõe- -se vender algumas das oliveiras que herdaram das extintas confrarias desta freguesia e pedir autorização para o podermos gastar na construção d’uma casa escolar para o sexo feminino pois que não temos rendimentos nem capitães para esse fim.

Em outubro, a senhora professora Elvira solicita à Junta um estrado, uma cadeira e que lhe desse também um lavatório, uma jarra e toalhas. A Junta decide orçamentar para o subsequente ano o estrado e a cadeira, quanto ao restante iria perguntar a quem de direito, se eram considerados mobília escolar.

Um outro pedido a 18 de Novembro não é feito pela professora, mas sim pelo professor, que pede um livro e papel para um órfão chamado Manuel Francisco. A vida não era nada fácil para a maioria da população, naqueles dias.

A saga para encontrar um edifício para a escola do sexo feminino continuou. Em Abril do ano de 1885, a Junta informa que ajustou e contratou com o Jozé Vicente Pinho o arrendamento da caza d’aula e habitação da professora do sexo feminino pella quantia de 15.000 quinze mil reis anual cujo arrendamento teve o seu princípio no primeiro de Abril... Mais um ano passou e a casa definitiva para a escola feminina ainda não existia, mas na ata de 13 de Junho, a Junta admite ter em cofre dinheiro para a comprar e, uma cópia da mesma ata seria enviada ao Governador Civil, para obter a autorização necessária. Uns dias depois, a 27, delibera arrendar, por dois anos, uma casa do senhor Jacintho Lopes d’Oliveira, que o mesmo senhor possui na Rua Direita d’esta aldeã que confronta pelo Norte com a mesma rua, a Sul com a Rua das Conheiras, a Nascente com Álvaro Pereira e a poente com herdeiros de José Gonçalves Isidro, pela renda anual de 20.000 reis. Fala-se ainda na hipótese de esta ser a casa a comprar. A casa em questão é a atual casa n° 58 da Rua Direita, segundo informação dada pelo senhor Dr. João Esteves Pereira (já falecido), teria pertencido a uma sua tia. O tempo foi passando e a escola do sexo feminino continuava sem um lugar definitivo.

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A Sra. Professora Glória e as suas meninas, no ano lectivo 1937/38.

Em 1901, a Junta recebe uma carta do Visconde d’Abrançalha, cujo teor era o seguinte: Constando-me que a Junta de Parochia d’essa aldeia a que V Ex. dignamente preside deseja pedir ao Governo de sua Majestade a construção d’um edifício para escola do sexo feminino, e sabendo que essa junta não tem terreno adequado para tal fim, lembrei-me de oferecer expontaneamente um pateo e alpendre que possuo em frente do adro d’essa freguesia junto ao meu estabelecimento de lavoura no Casal do Azinhal, atendendo porém que cedo esse terreno única e exclusivamente para aquele fim... Claro que a Junta agradeceu, terreno parecia já ter, faltava construir a escola.

Não foi construída exatamente no lugar referido, porque este ao que parece, não tinha as dimensões e características consideradas adequadas para o tipo de construção escolar em uso na época (projeto de 1898 do arquiteto Adães Bermudes). Felizmente o senhor Visconde d’Abrançalha possuía um outro terreno um pouco mais à frente, do outro lado da rua, com as tais condições, que cedeu em substituição do outro, permitindo que, a 18 de setembro de 1904, o novo edifício da escola Feminina de Rio Moinhos fosse inaugurado. Construída de acordo com o projeto, acima referido, do arquiteto Adães Bermudes, no andar de baixo ficava o espaço letivo, no andar de cima a casa da senhora professora que, era ainda na altura a D. Elvira Silva.

Por volta dos anos vinte, este mesmo espaço foi ocupado por um casal de professores que marcou profundamente várias gerações de cidadãos Rio Moinhenses: o senhor professor Francisco Seabra Esteves e a sua mulher, a senhora professora Glória Maria Consolado.

Este edifício tal como a “Casa do Bodo” fechou as suas portas em dezembro de 2011, ao fim de 107 longos anos de serviços prestados.

Muita coisa mudou no ensino básico em Portugal, especialmente após o 25 de Abril. Muitos foram os professores que passaram por ambos os edifícios de ensino primário de Rio de Moinhos, nunca foi meu objetivo enumerá-los, mas não seria justo terminar esta breve memória sem citar o nome de outros dois, que foram os professores da grande parte dos adultos que ainda hoje vivem em Rio de Moinhos: o senhor professor Álvaro Damas e a senhora professora Luz da Conceição Gaspar Serrano.

Pergunto-me o que irá acontecer aos dois históricos edifícios que asseguraram o ensino, ao longo de três séculos, não faço a mínima ideia, até hoje continuam fechados, espero que o que aqui referido ajude a dar-lhes um destino condigno e permita preservar a sua história.

BIBLIOGRAFIA

CAMPOS, Eduardo - Cronologia de Abrantes no século XIX. Abrantes: Câmara Municipal, 2005

  • Cronologia de Abrantes no século XX. Abrantes: Câmara Municipal,2000

Arquivo da Junta de Freguesia e Rio de Moinhos

  • Livros de Actas n° 2 e 3 da Junta de Parochia - Recenseamento das crianças do sexo masculino em idade escolar

NOTA

Este artigo sofreu ligeiras alterações, mas foi publicado pele primeira vez n'O Riomoinhense, N.° 2/2012.

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O Sr. Professor Esteves e os seus meninos, no ano letivo 1937/38

IN: SALVADOR, Helena – Rio de Moinhos: escolas de ensino primário (1856-2011). Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 11. Nº 22 (2013), p. 79-82