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POR MANUEL BATISTA TRAQUINA - Natural do Souto, interessado pela História e pela cultura popular publicou, em 2007, 0 Souto, Uma Cultura, Um Povo.

AS TREMOCEIRAS

Com o passar dos anos, muitas tradições usos e costumes se vão perdendo. É o caso de uma pequena atividade que calculamos vem das primeiras décadas (?) do século passado: A venda de tremoços, aos Domingos, no Adro do Souto e, nalguns casos, porta a porta pelas chamadas “Tremoceiras”.

Porem, os hábitos foram-se mudando e o tremoço, também alcunhado de “marisco alentejano”, passou a ser mais consumido à mesa do bar, como aperitivo ou acompanhamento da hoje tão consumida cerveja.

Mas, voltando aos meados do século passado, a saída da missa dominical, a par de outros vendedores, encontrávamos ali umas três ou quatro “tremoceiras”, que vendiam cada uma, o seu alguidar de tremoços. As pessoas habitualmente compravam um pequeno “cartucho” (feito de papel pardo ou mesmo de jornal, o plástico ainda não tinha feito a sua aparição) com os tremoços,

 que dependendo da sua capacidade poderia custar vinte, ou cinquenta centavos, ou mesmo um escudo.

Os tremoços eram consumidos quase como uma simples guloseima, ou quanto muito para acompanhar um copo de vinho, pois a cerveja, além de ser mais cara, não era muito consumida.

No nosso Adro, até há bem pouco tempo, poderíamos ainda adquirir os saborosos tremoços, àquela que talvez seja a última tremoceira, a “Ti Barbara de Bioucas” (na fotografia desta página). Porém, com a idade a avançar, a “Ti Bárbara”, que já ultrapassou as oito décadas de idade, e também com alguns problemas de saúde, foi forçada a terminar esta sua atividade.

Mas, na verdade, naquele local muitas pessoas sentem a falta dela e de outras tradições que a pouco e pouco se vão perdendo. À “Ti Barbara” eu desejo as maiores felicidades e muitos anos de vida.

OS ÚLTIMOS PASTORES

Desde longa data que a região norte do Concelho de Abrantes tem sido área florestal e agrícola, daí também a existência de alguns rebanhos. Atendendo à flora local e ao relevo dos terrenos, foi o gado caprino aquele que melhor se adaptou à região, no entanto existiram também alguns pequenos rebanhos de ovinos.

Os tempos foram mudando, hoje a agricultura é apenas de sobrevivência e a pastorícia é quase inexistente, se comparada com os tempos das décadas de trinta e quarenta, em que o número de rebanhos ultrapassou as duas dezenas.

O fértil vale da Ribeira da Brunheta foi o local onde mais rebanhos existiram. Na primeira povoação no alto do vale, a Brunheta, poderemos dizer que não havia um morador que não tivesse o seu rebanho.

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Na foto o Sr. Manuel Lucas, um dos últimos pastores daqueles tempos, senão mesmo o último, quase a chegar aos oitenta anos, que fomos encontrar no Centro de Dia de Souto, conta-nos imensos episódios da sua vida de pastor. Não frequentou a escola, não sabe ler, no entanto, conhece muitas letras do alfabeto e, numa fase da sua vida em que esteve ao balcão de uma taberna, fazia perfeitamente as contas sem se enganar nos trocos... Os tempos do inicio da sua vida foram difíceis, não havia tempo para ser criança, com apenas nove anos de idade iniciou a sua vida como ajudante de pastor, passado um ano, ou seja, com dez anos, ficou comprovada a sua competência e foi-lhe confiado o rebanho, depois foram mais 25 anos na profissão ate que o seu patrão, já idoso, decidiu vender o rebanho.

Manuel Lucas diz-nos que, quanto a trabalho, na época não havia muito por onde escolher, também uma pequena deficiência física impedia- -o de grandes esforços, no entanto esta foi uma atividade de que gostou e diz-nos que só naquele vale existiram mais de vinte rebanhos, que no seu todo somavam umas boas centenas de animais, senão mesmo acima do milhar. Durante aqueles anos, a sua vida, noite e dia, era junto dos animais. Conta-nos algumas histórias engraçadas e também outras menos engraçadas, problemas com que algumas vezes ainda muito novo e só, em pleno pinhal, tinha que se defrontar.

Os lobos, que naquela época existiam um pouco por todo o lado, constituíam um desses problemas, tinha que se combinar com outros pastores para não se afastarem muito uns dos outros, para juntos fazerem frente às feras, que a todo o momento ameaçavam atacar os rebanhos.

Outra ameaça eram alguns proprietários de terrenos que não viam com bons olhos os rebanhos nas suas terras. Certo dia viu-se ameaçado por um desses proprietários, que não aceitava que o rebanho pastasse na sua propriedade. Enquanto o nosso amigo Manuel, apressadamente, se afastava, perante a atitude ameaçadora do referido proprietário, este entendeu levar consigo todo o rebanho, só que muitos dos animais começaram logo por não aceitar aquele “novo pastor”. Com os cães foi o mesmo problema com que o intruso teve que se defrontar. De longe, Manuel Lucas presenciava a cena e aí bastou que lançasse um chamamento à Sarita (uma cabra de estimação) para que todo o rebanho se lançasse numa corrida desenfreada em direção ao seu legítimo pastor, sem que o raptor pudesse fazer algo em contrário...

Mas naquele fértil vale de outrora, o cenário agora é outro, pois está quase votado ao abandono e em nada se parece com aquilo que foi. Também os circundantes montes e vales, que eram revestidos de intenso pinhal, são agora terrenos escarpados, encontrando-se ausentes as frondosas arvores, as quais foram consumidas pelas chamas. O Manuel prefere não recordar aquele saudoso passado junto dos animais e custa-lhe aceitar toda esta mudança, em especial a ausência dos rebanhos...

IN: TRAQUINA, Manuel Batista – Antigas profissões do Souto. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 7. Nº 13 (2009), p. 66-67