profissoes tanoeiro

POR TERESA APARÍCIO - Professora, membro do CEHLA.

O senhor José Soares da Costa tem sessenta e sete anos, é natural de Vale de Açor (Fontes), mas já há muito que reside em Cabecinha, concelho de Vila de Rei.

Descendente de uma família de tanoeiros, já o pai, o avô e talvez o bisavô tinham esta profissão. Nasceram-lhe os dentes, como se costuma dizer, a ver surgirem, a partir de tábuas e tiras de ferro, barris e pipos dos mais variados tamanhos e feitios. Assim que as forças e o entendimento lho permitiram, começou a ajudar o seu pai, Maximiano da Costa, primeiro em trabalhos muito simples e depois noutros mais complexos, até que se tornou um profissional na arte da tanoaria, o que não é fácil, dada a profusão de pequenos segredos e truques que esta profissão comporta. As tábuas de madeira, que dão forma ao pipo, têm de ficar bem juntas e tudo tem de ficar bem vedado, para que depois o vinho não verta para o exterior, sem, contudo, se utilizar um único prego! Como conseguir então este milagre?

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Começa-se por cortar uma tira de ferro e forma-se com ela um arco, maior ou menor conforme a dimensão do pipo a executar. De seguida, este arco vai ser preenchido, em volta, com ripas de madeira a que se dá o nome de aduelas e que vão sendo presas com grampos ao anel de ferro. Previamente, estas tabuas tiveram de ser moldadas com umas peças de madeira, que têm precisamente o nome de moldes, de modo a ficarem com o feitio desejado, dando ao pipo aquela forma bojuda que lhe e caraterística. Quando o anel já esta todo preenchido com as tabuas, estas são contornadas com outros arcos de ferro, em numero variável, dependendo muito do tamanho do pipo, mas o mais comum e serem entre seis a dez e têm nome de acordo com a posição que ocupam: o da extremidade superior e o “cabeça”, a seguir vêm o “gebre”, o “rabo-de-palha”, o “bojo” e o “sobre bojo”. O mesmo número de anéis, com os respetivos nomes, repete-se na outra metade do pipo. Com esteja a ganhar forma, e preciso agora molhar as tabuas com água e deixa-las bem molhadas ate ao dia seguinte, altura em que se faz lume no seu interior, para o calor dilatar a madeira, ficando assim as ripas bem unidas umas as outras. Seguidamente, e preciso fazer os gebres (sulco nas duas extremidades interiores das aduelas) para o que se utiliza um instrumento denominado gebreira. Tal como as tabuas, também os arcos de ferro têm de ficar ajustados, o que é feito com a marreta e o chaço, ficando assim bem fixos nos seus lugares.

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Finalmente colocam-se os tampos, que são de forma circular. Uma vez as tábuas bem unidas, e preciso desenhar o circulo, o que se faz com um compasso com os ponteiros mais ou menos afastados, consoante o tamanho que se pretende, mas, de qualquer modo, este tem que dar seis vezes a volta ao perímetro do tampo. Quando estes estão prontos, são introduzidos nos sulcos que constituem os gebres. O tampo dianteiro tem de levar uma abertura, para o pipo poder ser esvaziado e limpo. E chamado “postigo” e tem igualmente de ficar bem justo e vedado. Para o conseguir na perfeição, e costume barrarem-se-lhe as extremidades com uma massa aderente feita de farinha de trigo e água. No mesmo tampo, abrem-se três furos em posições diferentes, para neles introduzir a torneira, que se vai deslocando, conforme o vinho vai baixando no interior do pipo.

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Tanto o senhor José, como os seus familiares sempre trabalharam com madeira de castanho e carvalho, pois são boas para a qualidade do vinho e não empenam, conservando sempre o pipo a sua forma correta. O seu pai e avô iam buscar a madeira aos concelhos de Tomar e Ferreira de Zêzere e o trabalho de a transportar ate à oficina era moroso e difícil. Compravam as arvores ainda nas matas, depois eram serrados os barrotes e transportados a cabeça ate as barças que atravessavam o Zêzere e novamente levados à cabeça ou em burros, ate à oficina, onde eram feitas as tabuas. O trabalho de tanoeiro era incerto, pelo que eles, para ganharem mais alguma coisa, iam com frequência ate ao Alentejo e aí chegavam a estar, ate dois meses, em grandes herdades, onde faziam novos recipientes para o vinho, ou concertavam os antigos que precisavam de arranjo.

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Pela mesma razão, também o senhor José se deslocou muito jovem para Lisboa, não para ser tanoeiro, mas para trabalhar primeiro como empregado de balcão e depois na construção civil e, mesmo aqui, as suas preferências continuaram a ir para os trabalhos em madeira. Mais tarde, regressou a Cabecinha, onde continuou a trabalhar na área da carpintaria, mas, como não há amor como o primeiro, a sua paixão pela tanoaria não esmoreceu. Não dá muito dinheiro, diz-nos, mas ainda gosta de se entreter a fazer ou a arranjar pipos, dornas ou ate mesas, muito interessantes para colocar em jardins ou adegas. Presentemente, é o último e único tanoeiro da região.

IN: APARÍCIO, Teresa – Profissões e Vivências em Vias de Extinção: tanoeiro - herança de família. Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 7. Nº 13 (2009), p. 39-41