Por JOAQUIM CANDEIAS DA SILVA - Doutor em Letras (História) pela Universidade de Lisboa, professor aposentado, da Academia Portuguesa de História e do CEHLA
INTRODUÇÃO
Apesar de muito se ter perdido na voracidade dos tempos, ainda são bastantes, felizmente, as memórias que se conservam dos antigos conventos de Abrantes. Veja-se, a título de exemplo, a série de artigos que em 1994 /1995 lhes dediquei sob o título “Lembranças do Património Artístico de Abrantes Desaparecido”, e de modo particular os dois artigos que dediquei ao Convento da Graça [in Jornal de Alferrarede, 1994, novembro (p. 10) e dezembro (pp. 15 e 18)]. Recordemos também, acerca deste convento, as interessantes “Memórias” deixadas nesta mesma revista, no seu n.º 17 (“A freira que fazia chagas”, pp. 3-16).
Pois bem, desta vez trago ao conhecimento dos leitores da Zahara um memorial de características diferentes: um documento que encontrei há bastantes anos no Arquivo Histórico do Concelho de Abrantes (hoje chamado “Eduardo Campos”), no “Espólio Salgueiro”. Para eventuais interessados (e também como afirmação do indispensável rigor histórico), aqui se regista que este documento, que infelizmente não é o original, pode ser localizado na Pasta 10, doc.13, texto dactilografado em 14 folhas A-4, da primeira metade do século XX (anos 40-50?), com furação e união por fio enlaçado.
O suporte textual do receituário é, portanto, uma cópia. O original deveria ser, porventura, um caderno de notas soltas de alguém que viveu no convento, notas essas que progressivamente se iriam acrescentando para uso interno, sem quaisquer pruridos formais. Assim, não se vê nele preocupação por uma ordenação sequencial lógica, por assuntos ou tipologias; por vezes até mistura o uso de medidas de peso e capacidade antigas (arrátel, canada, quarta, celamim) com as correspondentes mais modernas (quilo, gramas, decilitro...). Quanto à antiguidade, seguramente que é tudo anterior ao século XX, já que a última freira - madre Maria Angélica Godinho - se finou em 1891 e o convento encerrou logo de seguida com cedência à Câmara. Sabemos que, com ela, ali viviam então mais oito mulheres, pupilas e criadas, cujas identidades são conhecidas. Quanto ao espólio, recolheu em grande parte ao “Museu das Artes” I Arte Antiga I de Lisboa (mobiliário, pratas e tecidos); mas houve peças doadas a outras instituições (Santa Casa da Misericórdia, p. ex., loiças, utensílios de doçaria e algumas roupas), tendo outras de menor valia saído ao desbarato...
Surpreende no documento a quantidade das receitas: um total de 63 itens. Algumas poderiam ser tradicionais e não exclusivas desta comunidade; porém, a avaliar pelas designações de alguns dos doces, sobretudo dos últimos da lista, seriam próprias, já que trazem associados os nomes das freiras locais que os confecionaram ou inventaram, caso dos “queijos da freira Catarina”, “bolos reais da freira Joana”, “talhadas reais da freira Quitéria” ou “bolos de rainha da freira Clemência”. Por falta de disponibilidade, não averiguei a identidade destas religiosas. Penso que seria um estudo interessante a fazer, pois pelos seus nomes poderemos chegar à extração social das religiosas e às origens dos seus bons conhecimentos culinários. Com efeito, é sabido que este era um mosteiro de elites, para onde vinham sobretudo filhas de nobres. A alusão a bolos reais e de rainha, a tortas e talhadas reais, ou a um “bolo de Sabóia”, mais faz aumentar essa curiosidade...
Conforme se poderá aquilatar da leitura destas receitas, na composição da sua esmagadora maioria entra o uso de ovos. Perguntar-se-á porquê. Consta, por tradição oral (que aliás não é específica deste convento), que as freiras engomavam as suas vestes com as claras dos ovos e que uma forma de aproveitamento ou não desperdício das gemas era a sua utilização na doçaria. E daí também, porventura, a necessidade de o convento ter ou garantir o seu próprio abastecimento desse e de outros produtos de consumo interno.
Alguns itens deste receituário deverão merecer particular atenção, uma vez que das respetivas iguarias constam produtos hoje considerados típicos e fortemente característicos desta cidade. É o caso da Palha de Abrantes [receita do convento], seguramente o ex-líbris da doçaria abrantina, que nos remete para outras conotações marginais (algumas bem-humoradas e também com história); mas convém não nos esquecermos da Lampreia ou das Tigeladas, entre outras receitas...
Felizmente que a cidade e o concelho têm sabido aproveitar esta mais-valia gastronómica e histórica para a promoção das suas potencialidades. Com organização da TAGUS - Associação para o Desenvolvimento Integrado do Ribatejo Interior, em estreita ligação com a Câmara Municipal, tem vindo a realizar-se anualmente, em outubro, um certame de âmbito nacional: é a “Feira Nacional de Doçaria Tradicional”, com lugar cativo no Centro Histórico.
E muito mais haveria a comentar. Já nos satisfaz, contudo, o grato prazer de trazer a público este precioso documento, que bem merecerá agora ser aproveitado por quem aprecia estes saberes e sabores intemporais ou melhor entende destas artes.
A transcrição é fiel, respeitando religiosamente o texto que nos chegou. Apenas no tocante à ortografia, acentuação e pontuação introduzimos alguma modernização; por isso, não podíamos deixar de manter as medidas antigas...
Nota final: Para efeito de conversão das medidas antigas para o sistema decimal (e não obstante alguma discrepância nos padrões de aferimento, que por vezes variavam de terra para terra), aqui se registam os valores considerados equivalentes:
- Arroba = 32 arráteis (14,688 kg);
- Arrátel = 1/32 da arroba = 459 g (quase p,5 kg); - quarta = quarta parte do arrátel (= c. 125 g); - onça = décima sexta parte do arrátel e correspondente a 8 oitavas;
- alqueire [em teoria igual ao almude, mas variável] = 12canadas = 16 a 18 litros;
- canada = cerca de 1,4 litro (14 decilitros);
- quartilho = quarta parte da canada;
- celamim ou salamim = décima sexta parte do alqueire.
No texto surgem também algumas referências a moedas antigas (vinténs, réis), mas o seu valor, hoje mais difícil de converter, pouco importará para o caso.
AS RECEITAS
Pastéis para chá
1 arrátel de açúcar em ponto de pasta, 1 quarta de amêndoa bem pisada, 12 gemas de ovos, 4 claras, 3 colheres de farinha. Vai em latinhas para o forno.
Lustrosos
1 arrátel de amêndoas pisadas, 1 arrátel de açúcar, 12 gemas de ovos, 6 claras. Vai tudo ao lume e em fervendo deita-se tudo no alguidar e deita-se farinha até poder tender bolos, unta- -se com gema de ovo e deita-se uns pós de açúcar em cima do ovo. Depois vão ao forno.
Raivas de Santa Iria
1 arrátel de manteiga muito bem lavada, 3 ovos, 1 arrátel de açúcar de chá. Mistura-se tudo com a mão muito bem e bate-se muito; para saber se está capaz levanta-se a mão e se fizer castelinho deita-se a farinha que precise para ficar a massa dura; depois fazem-se e recorta-se por cima.
Amêndoas torradas
1 arrátel de amêndoas, 1 arrátel de açúcar em ponto de pasta. Deitam-se as amêndoas no açúcar em pasta até se secarem e depois pulverizam-se de vinho.
Bolo de Madalena
Meio arrátel de manteiga vai a lume brando com 1 arrátel de farinha e vai-se sempre mexendo para não se pegar. Em estando pronto, tira-se para fora do lume, deita-se 1 arrátel de açúcar areado de chá e deitam-se 10 ovos pouco a pouco, batendo-se sempre; deixam-se ficar a metade das claras e batem- -se muito bem; deitam-se quando está para ir para o forno. A lata deve estar bem untada de manteiga e deve-se ter bastante cautela no forno.
Talhadas cobertas
1 arrátel de açúcar pilé, que se põe em ponto de pasta, deita-se-lhe 16 gemas de ovo, uma pouca de canela e 1 arrátel de amêndoa bem pisada; está feita a espécie. Talham-se as hóstias, mete-se-lhes a espécie, vai ao forno e depois barram-se com glace.
Pudim de Vila de Rei
1 arrátel de açúcar, 1 quarta de amêndoa bem pisada, 12 gemas e 2 claras. Raspas de casca de laranja ou limão. Põe-se o açúcar ao lume e quando começar a ferver um pouco, deitasse-lhe a amêndoa; quando estiver em ponto de pasta tira-se para fora e em estando quase morno deitam-se-lhe os ovos. Bate-se tudo e deita-se na forma untada de manteiga para ir ao forno.
Toucinho-do-Céu
Pelam-se 100 gramas de amêndoa e pisam-se muito bem em um graal de pedra. Põe-se em ponto de fio 440 gramas de açúcar; em estando em ponto tira-se o tacho do lume e junta-se-lhe a amêndoa, que deve ser muito bem desfeita para se combinar com o açúcar. Depois, torna ao lume para se cozer a amêndoa até chegar ao ponto de pegar, que é quando se bate com a costa da colher no lado do tacho e ele se quer agarrar (é preciso ter cuidado). Tira-se então o tacho do lume e deitam-se-lhe 12 gemas batidas com 2 claras. Em seguida, deita-se-lhe 3 mãos cheias de farinha e uma pouca de canela em pó. Feito isto, unta-se uma lata com manteiga, polvilha-se com farinha no fundo e nos lados para se não pegar. Deve ser cozido em forno muito brando e logo que saia do forno tira-se da lata, para se vidrar com açúcar e granjeia.
Bolinhos
1 arrátel de açúcar, 12 gemas de ovos, meio arrátel de manteiga, 10 réis de canela e a farinha que seja precisa. A massa deve ficar dura e as latas untam-se com manteiga.
Bichas
A cada tijela de farinha é dada uma tijela de água. Põe-se ao lume a água com umas pedras de sal; em fervendo, deita-se a farinha e se mexer muito bem e em estando cozida deita- -se num alguidar e amassa-se com ovos até ficar branda [de modo] que corra pela forma. Depois são fritas, passam-se por açúcar em ponto de pasta.
Sopas de leite
1 quartilho de leite; leva 6 claras e as 6 gemas batidas deitam-se no leite frio juntamente com açúcar, e quando estiver a ferver deitam-se as claras. Logo que fervam estão prontas.
Pudim gelado
1 arrátel de açúcar de caixa em ponto de pasta larga, 2 cavacas de canela, 1 casca de limão, 20 gemas de ovos, 1 colher de sopa cheia de manteiga; deita-se numa forma barrada de manteiga e vai ao forno.
Pudim de creme de leite
12 gemas e 6 claras, 1 quartilho de leite, 750 [gramas] de açúcar, uma pitada de sal e uma casca de limão. Bate-se tudo muito bem e passa-se por uma peneira de cabelo, deita-se numa lata barrada de açúcar queimado, coze-se em banho-maria.
Pudim de laranjas
1 arrátel de açúcar em ponto de espadana, 12 cascas de laranjas (que devem ser cosidas em duas águas), 18 gemas de ovos e 1 clara, 1 quarta de manteiga lavada em três águas, 10 réis de pó de canela. As cascas das laranjas, depois de estarem cozidas, devem-se ralar; deitam-se no açúcar em ponto e vão ao lume até se ver o fundo; depois deita-se-lhe a manteiga, os ovos e a canela. Vai para o forno numa lata bem untada de manteiga.
Pudim melindroso
1 arrátel de açúcar refinado, 22 gemas de ovos, 2 cascas de limão, uns paus de canela, meio quartilho de leite, 2 colheres de sopa cheias de farinha de arroz, [sendo] tudo muito bem mexido e coado. Deita-se numa lata untada de manteiga e coze em banho-maria.
Pudim Carlota
1 arrátel de açúcar em ponto de fio, 1 quarta de manteiga pisada, 14 gemas de ovos e algumas colheres de farinha. Deita-se numa lata barrada de manteiga e vai ao forno.
Pudim de batata
500 gramas de açúcar em ponto de pasta, 250 gramas de batata, 12 gemas de ovos e 1 colher de farinha, 65 gramas de manteiga. Tira-se um bocadinho [da manteiga] para untar a lata e não se deitam os ovos e a manteiga senão quando for para o forno.
Outro pudim de batata
500 gramas de batata, 250 gramas de açúcar, 12 ovos (sendo 3 com claras), 2 colheres de manteiga, 1 colher de farinha. Depois de tudo bem mexido com uma colher, deita-se na lata untada com manteiga e vai ao forno.
Bolo do Algarve
500 gramas de açúcar em ponto de pasta, 500 gramas de amêndoa pisada, 12 ovos (sendo 6 com claras), uma colher de farinha. Depois de tudo bem mexido e batido, deita-se na lata untada com manteiga; mas não se deita sem o forno estar pronto.
Bolo de Sabóia
250 gramas de açúcar refinado, 9 ovos, 125 gramas de amêndoa mal pisada, 125 gramas de farinha. Batem-se os ovos muito bem com açúcar; quando estiver para ir ao forno é que se lhe deita a farinha e amêndoa. A lata deve ser untada com manteiga.
Broinhas de amêndoa
500 gramas de açúcar em ponto de fio; tira-se para fora do lume e deitam-se-lhe 500 gramas de amêndoas bem pisadas, 12 gemas de ovos; e, depois de tudo bem batido, leva-se tudo ao lume para se cozer até que, levantando-se um bocadinho à colher e deitando-se sobre a mesa a espécie, forme uma broinha. Deixa-se esfriar para se tenderem com pouca farinha. As latas levam uma camada de farinha.
Bolos do paraíso
julho 2014 n° 23 500 gramas de açúcar em ponto de pasta, 250
7 gramas de amêndoas, 12 gemas de ovos, 2 colheres de farinha. Untam-se as latinhas com manteiga e vão ao forno.
Bolos de batata
500 gramas de açúcar em ponto de rebuçado, 125 gramas de amêndoas e 125 gramas de batata. Depois de tudo muito bem pisado, desfaz-se tudo com o açúcar e deitam-se 6 gemas e 2 claras, tornando-se a pôr ao lume para endurecer e para se tender.
Argolinhas
125 gramas de manteiga, 125 gramas de açúcar, 1 cálice de vinho branco e um prato de farinha. Sova-se muito bem e fazem-se as argolinhas, cozem-se em água (?) e vão ao forno.
Bolos de amêndoa raspada
500 gramas de açúcar e 1 clara de ovo; bate-se até estar grossa, deita-se-lhe 10 réis de canela em pó e 125 gramas de amêndoa partida, mas não delgada. Tendem-se com muito pouca farinha; untar as latas com manteiga.
Bolinhos de amêndoa
500 gramas de açúcar em ponto de pasta, 20 gemas e 2 claras. Coze-se até engrossar; depois tira-se do lume, bate-se e deita-se uma colher de sopa de água; mas faz-se isso três vezes.
Manjar branco
500 gramas de açúcar, 250 gramas de arroz pisado e peneirado e 4 quartilhos de leite. Mistura-se tudo no tacho, leva-se ao lume brando, depois vai numa travessa a cozer ao forno.
Doce de batata
500 gramas de batata e 500 gramas de açúcar. Faz-se como se faz a marmelada.
Doce duvidoso
500 gramas de açúcar em ponto de pasta, 15 gemas de ovos, um bocadinho de manteiga, outro bocadinho de limão e um outro de canela. Querendo, junta-se 2 colheres de farinha. Deita-se [tudo] numa lata untada com manteiga.
Bolos de amêndoa
500 gramas de açúcar, 4 ovos, 125 gramas de amêndoa e farinha (mas deita-se pouca); e fazem-se os bolos.
Ovos brancos
500 gramas de açúcar em ponto de pasta bem larga e 24 gemas de ovos. Batem-se bem até ficarem brancos e grossos; vai ao lume a cozer e, quando estiver quase frio, deita-se canela por cima.
Tigeladas
1 canada de leite, 500 gramas de açúcar, 12 réis de canela, 12 ovos e 3 chávenas de farinha. Bate-se tudo muito bem [e deita-se nas tigelas]; mas estas [antes de irem ao forno] metem-se no forno a aquecer primeiro.
Folares
Meio alqueire de farinha, 125 gramas de manteiga, um pouco de azeite, 2,250 kg de açúcar, 6 ovos, 1 vintém de canela. O azeite e a manteiga devem ser quentes para escaldar a farinha (não fale em fermento).
Bolos de celeiro
1 celamim de farinha de milho, 1 celamim de farinha de trigo, 1 quartilho de azeite, 1 quartilho de mel, 1 arrátel de açúcar e 1 pinga de água. Ferve tudo e depois escalde. A farinha de milho leva um bocadinho de crescente, erva-doce, canela e cravo de cabeça; depois, mistura-se a farinha de trigo, amassa-se tudo e depois de levedado tendem-se os bolos.
Outros idênticos
1 pão em massa, 1 decilitro de azeite, meio arrátel de açúcar, 10 réis de canela, 5 réis de erva-doce.
Talhadas
1 canada de mel e 1 canada de azeite (mexe-se tudo de modo que fique bem ligado, com uma colher, e mexendo sempre para o mesmo lado), 2 arráteis de açúcar, 3 dúzias de ovos, erva- -doce e canela. Em estando tudo bem (...), leva uma pouca de farinha, forra-se uma lata com papel untado com azeite (devendo a lata já estar também untada); depois deita-se na lata e vai para 0 forno.
Bolachas
250 gramas de açúcar, a quarta parte de um quartilho de vinho branco, 2 I quartilhos] de azeite e umas pedras de sal, 40 réis de canela e a farinha que seja preciso (a massa deve ficar dura). Estende-se a massa, corta-se com a I forma? | e depois são picadas com um garfo.
Bolo podre
12 ovos, 1 quartilho de azeite e 1 quartilho de mel. Deita-se a farinha que precisar, bate-se [tudo] muito bem, deita-se numa lata e vai ao forno.
Doce de laranja aos quartos
Cortam-se ias laranjas] em quartos com os gomos, tira-se o amarelo (?) da casca e as pevides (?), deitam-se de molho oito dias, mudando a água diariamente; põe-se um pouco de açúcar em ponto de pasta baixo, vai três vezes ao lume e no terceiro dia fica em ponto de pasta larga.
Uma outra maneira é: as cascas, tirando o amarelo, estar menos tempo de molho.
Cavacas
Meio quartilho de azeite e 5 ovos. Junta-se o azeite com os ovos, bate-se bem e deita-se farinha, amassa-se até ficar como um pão duro, depois vai-se deitando ovos, um de cada vez, até se desmanchar o pão e ficar em massa branda. Untam-se as latas com azeite e passam-se com farinha. Deitam-se las cavacas] longe umas das outras e vão para o forno.
Covilhetes
500 gramas de açúcar em ponto de pasta, 125 gramas de amêndoa bem pisada. Logo que ferva com a amêndoa tira-se para fora, deitam- -se 15 ovos e 3 claras batidas, canela e casca de limão ralada, e vai ao lume, que deve ser mais brando, mexendo sempre para não se pegar; depois deita-se [o produto] em latinhas untadas com manteiga, e vão ao forno. As latas não devem ir cheias.
Receita de Serafim
Põem-se duas quartas de açúcar pilé em ponto de pasta, quase em fio; deitam-se num alguidar 5 quartilhos de leite, meio arrátel de farinha de arroz, 16 gemas de ovos e umas pedras de sal. Estando I tudo I bem batido, junta-se o leite, tira-se o tacho do lume e deita-se pouco a pouco para dentro do tacho, misturando. Vai ao lume e em fazendo castelo está pronto, deita-se numa travessa, com açúcar por cima, queimando-se com ferro quente. O lume deve ser muito brando.
Pudim de arroz
1 arrátel de arroz pisado, 1 arrátel de açúcar, 1 quartilho de leite e 12 gemas de ovos. Depois de tudo bem batido, põe-se na lata e vai ao forno.
Pudim de café
Um quartilho de café bem forte, 12 gemas de ovos e 10 réis de canela, misturando-se tudo muito bem. IÀ parte I Tem-se 1 arrátel de açúcar em ponto de espelho, esfriado. Junta- -se tudo e deita-se na lata, já untada com açúcar queimado, e vai a cozer em banho-maria.
Pudim de chá
Deita-se num tacho um quartilho e meio de leite. Em levantando fervura, deita-se-lhe meia onça de chá muito bom e tirando-se de repente do lume abafa-se com o chá; estando bem aberto, côa-se o leite e deitam-se-lhe 3 quartas de açúcar, 18 gemas de ovos e uns pós de canela. Depois de tudo bem batido, deita-se [o produto I na forma, que deve estar barrada com açúcar em ponto, e coze-se em banho- -maria.
Argolinhas de amêndoa
Toma-se um arrátel de açúcar, que se põe em ponto de cabelo; tira-se o tacho do lume, deita-se-lhe um arrátel de amêndoa muito bem pisada e juntam-se umas pitadas de farinha de trigo quanto baste para se cozerem bem até limparem o tacho; tendem-se as argolinhas e vão ao forno; quando voltarem do forno, cobrem-se de açúcar em ponto de fio baixo.
Queijadinhas de amêndoa
A um arrátel e quarta de açúcar em ponto de fio baixo se lhe junta, fora do lume, um arrátel de amêndoa muito bem pisada, desfazendo com uma colher quando se vai deitando. Torna a pôr ao lume e, enquanto levanta fervura, se lhe deitam os ovos.
Empadas divinas
1 arrátel de açúcar e o mesmo de amêndoa, 1 copo de gila, 9 gemas e 3 claras. Amassa-se uma pouca de farinha com ovos e um bocado de manteiga e, estando a massa pronta, fazem- -se as empadas, que vão ao forno. Depois, passam-se em açúcar.
Esquecidos
Tomam-se 8 ovos, dois deles com clara, e deitam-se em cima de 500 gramas de açúcar em pó posto num alguidar; bate-se tudo muito bem até ficar alvo e vai-se deitando 500 gramas de farinha, mexendo sem parar; vão-se tirando bocadinhos desta massa, rolando-os na mão em farinha de trigo para que se não pegue e vão-se pondo nas latas untadas de manteiga, que vão ao forno.
Deliciosos de bolachinhas
Meio arrátel de manteiga ou de amêndoas, outro de açúcar e um arrátel de farinha. Depois de estar tudo muito bem misturado, fazem-se as bolachinhas.
Merendas de leite
1 arrátel de açúcar, 1 quarta de farinha de trigo, 12 ovos, 1 quarta de manteiga, 20 réis de canela e 20 réis de gergelim, raspa de um limão, meia canada ou 3 quartilhos de leite e um bocadinho de crescente. Depois fazem-se redondo e untam-se com gemas de ovo por cima.
Palha de Abrantes (receita do convento) Partem-se 34 ovos e tiram-se-lhes as claras e as peles. Põe-se um quilo de açúcar ao lume com uma pouca de água e, depois de ferver um bom bocado, fazem-se os fios com o funil próprio. No mesmo açúcar deitam-se outros 24 ovos bem batidos (mas só 10 claras) e deixam-se cozer. Ficam assim feitas as sopas que se colocam na travessa por debaixo dos fios.
Bolos “até aqui”
1 arrátel de açúcar em ponto de pasta, 125 gramas de amêndoa bem pisada, 1 copo de gila ou abóbora e 16 gemas de ovos. Deita-se o doce logo que o açúcar estiver em ponto, tira-se para fora e deita-se a amêndoa, desfaz-se muito bem e depois deitam-se as gemas, indo um pouco ao lume (...) Tendem-se com pouca farinha e vão ao forno brando.
Coscorões
3 ovos e 125 gramas de açúcar; bate-se tudo e, estando grosso, deitam-se 50 gramas de manteiga derretida, torna-se a bater e estando grosso deita-se-lhe meio quilo de farinha a pouco e pouco até que fique bom para se estender. São fritos e passados em calda de açúcar.
Pudim de leite
Põe-se um pão feito às fatias numa terrina e escalda-se com um quartilho de leite, tapa-se por um pouco, sendo depois muito bem desfeito. Em seguida deitam-se 12 gemas de ovos, um arrátel de açúcar, 10 réis de canela, bate-se tudo muito bem e vai ao forno em lata untada com manteiga.
Bolo de amêndoa
250 gramas de açúcar, 7 ovos, 125 gramas de amêndoa pisada e 125 gramas de farinha. Bate- -se tudo e deita-se na forma untada de manteiga para ir ao forno.
Lampreia
Para uma lampreia grande são precisas 8 dúzias de ovos: 36 gemas para fios e 750 gramas de açúcar, 36 gemas para as capas e 750 gramas de açúcar, 24 gemas para 500 gramas de amêndoa e 500 gramas de açúcar. Fazem-se primeiro os fios; depois, na calda que fica e juntamente com a que se faz para a amêndoa, quando está em ponto de pasta, deita-se a amêndoa (que deve estar bem pisada), ferve um pouco, tira-se para fora, deitam-se as 24 gemas e torna ao lume. Para as capas, põem- -se as 750 gramas em ponto de pasta, tem-se um tachinho de arame e deita-se nele um poucochinho desta calda (que deve ferver só dos lados) e deita-se num copo o que se calcula para uma gema (as gemas não devem ter película). Deita-se de repente para o tacho e deixa-se cozer calcando com a escumadeira. Depois de prontas, arma-se a lampreia sobre hóstia.
Fatias celestes
1 quilo de açúcar, 2 dúzias e meia de ovos, 1 chávena de doce de gila, 250 gramas de amêndoas e 750 gramas de açúcar em ponto de fio. Partem-se 13 gemas de ovos, que se fazem em palha no açúcar que está ao lume. Depois de pronto, tira-se o açúcar para fora e deita-se a gila e amêndoa (que já deve estar muito bem moída); depois de ferver, tira-se para fora, deita-se-lhe 17 gemas de ovos e põe- -se novamente ao lume a cozer. Depois de pronto, põe-se uma camada desta espécie e outra de fios de ovos com canela (pouca), e assim sucessivamente, ficando em repouso até ao outro dia. Têm-se as fatias de hóstia, que se enchem, e depois levam-se ao lume; em estando loiras, tiram-se para fora e barram-se com glace.
Queijos de Mazagão (da freira Catarina) 500 gramas de açúcar em ponto de fio e 500 gramas de amêndoa bem pisada, que se juntam no açúcar. Leva-se ao lume a corar, depois põe-se de parte e fazem-se ovos-moles. Numa hóstia põe-se uma folha de amêndoa, deitam-se depois os ovos-moles, em cima outra de amêndoa e à roda uma capa de amêndoa; por fim, empoa-se com açúcar.
Torta real das freiras
500 gramas de açúcar em pasta larga e 500 gramas de amêndoa pisada. Deitam-se para dentro do açúcar (já fora do lume) 500 gramas de açúcar em ponto de cabelo, juntam-se-lhe depois de frio 30 gemas de ovos, leva-se a engrossar, mexendo sempre até descobrir o fundo do tacho, deixando-se arrefecer. Depois, tem-se 750 gramas de farinha amassada com manteiga e um pouco de açúcar; depois de amassar, estende-se e põe-se na forma untada de manteiga. De seguida, deita-se a amêndoa sobre a massa, 1 ou 2 covilhetes de gila, 3 covilhetes de ovos-moles, forra-se em roda e cobre-se com outra capa de massa por cima. Limpa-se 250 gramas de açúcar e põe-se em ponto de fio, tira-se do lume, bate-se até pegar nos dedos e com esta calda se cobre a torta, deixando a enxugar.
Bolos reais (da freira Joana)
Leva cada dúzia de bolos 2500 gramas de açúcar, sendo 750 gramas para os ovos moles do recheio. As folhas de fora levam cada uma um ovo; faz-se cada uma num tachinho com açúcar grosso, bate-se bem o ovo e cora-se; deita-se numa tábua com o recheio; cobrem- -se com outra capa e empoam-se com açúcar e canela.
Talhadas reais (da freira Quitéria) 500 gramas de amêndoa, 875 gramas de açúcar e 30 ovos. Fazem-se 20 gemas de ovos em riais (fios), no resto que fica deste açúcar se desfaz a amêndoa em abóbora ou gila (1 covilhete), isto fora do lume. Juntam-se os 10 ovos levando só uma clara e torna ao lume até despegar do tacho; tira-se do lume, estende-se metade desta espécie numa tábua, polvilha-se de canela, cobre-se com os ovos reais e deita-se por cima a outra metade. Deixam-se secar 2 ou 3 dias e cortam-se às talhadas.
Bolos de rainha (da freira Clemência) 500 gramas de açúcar, 250 gramas de manteiga, 9 ovos, 100 réis de canela e farinha a que for precisa. Deita-se o açúcar num alguidar e vão-se deitando os ovos (2 de cada vez, sendo só 4 com a clara), batendo-se muito bem com a mão. Deita-se-lhe depois a manteiga e canela; continua-se a bater e vai-se juntando a pouco e pouco a farinha, até ficar na consistência de se poder tender à mão. Parte-se então a massa em 8 pedaços, espalmam-se com a mão e untam-se com manteiga derretida, após o que se dobram como os bolos e se levam ao forno.
O desaparecido Convento da Graça - fachada (num desenho / reconstituição de Rogério Ribeiro).
IN: SILVA, Joaquim Candeias da – Receitas conventuais: doçaria antiga do convento da Graça (Abrantes). Zahara. Abrantes: Centro de Estudos de História Local. ISSN 1645-6149. Ano 12. Nº 23 (2014), p. 3-10